Este artigo tem por objetivo demonstrar a necessidade de barrar o processo de privatização das praias brasileiras em curso no Congresso Nacional. É importante observar que toda obra situada na Costa Marítima Brasileira e na margem dos rios e lagos até onde sofre influência das marés, localizada na faixa de 33 metros, é considerada Terreno de Marinha. Pela legislação atual, a União, dona dos terrenos de marinha, pode permitir que pessoas e empresas usem e até transmitam as terras aos seus herdeiros. Mas, para isso, esses empreendimentos têm que pagar impostos específicos. O Ministério da Gestão e Inovação (MGI) informou que há 564 mil imóveis registrados em terreno de marinha. O governo arrecadou, em 2023, R$ 1,1 bilhão com as taxas de foro e de ocupação. O MGI estima que o valor poderia ser cinco vezes maior, com um total de quase 3 milhões de construções nas áreas próximas ao mar, mas que não foram oficializadas. Vinte por cento dos valores apurados são repassados para os municípios. No ano de 2022 foram repassados para municípios cerca de 120 milhões de reais. A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) é responsável por gerir os terrenos. Este órgão promove a regularização fundiária urbana de assentamentos irregulares.
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro do domínio da Marinha para estados, municípios e proprietários privados em discussão no Senado prevê a autorização para a venda dos terrenos de marinha a empresas e pessoas que já estejam ocupando a área. Aprovado em fevereiro de 2022 na Câmara dos Deputados, a PEC estava parada na CCJ do Senado desde agosto de 2023. O Senado iniciou a discussão de proposta de emenda à Constituição (PEC) que gerou polêmica, a PEC das Praias, como vem sendo chamada, que passou a ser considerada como um mecanismo para privatizar as áreas à beira-mar, que pertencem à União. Esta PEC exclui o inciso VII do artigo 20 da Constituição, que afirma que os terrenos de Marinha são de propriedade da União, transferindo gratuitamente para os estados e municípios as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos. Pelo projeto, os lotes deixariam de ser compartilhados, entre o governo e quem os ocupa, e teriam apenas um dono, como um hotel ou resort.
Não há, no texto da PEC, nenhuma menção explícita à privatização das praias brasileiras. No entanto, uma das consequências resultantes da PEC é justamente a possibilidade de privatizar o acesso às praias. As áreas adjacentes às praias, onde existem construções como casas, hotéis e condomínios, estão sujeitas a regras e impostos justamente por estarem em uma área de marinha, ou seja, uma área pública. Uma dessas regras é a garantia de acesso da população às praias. O que a PEC das Praias faz é possibilitar que essas áreas deixem de ser públicas, sem influência do Estado. Assim, a PEC propõe que não haja nenhuma garantia de acesso às praias, o que representa, em última instância, a privatização das praias. A PEC reforça os mecanismos de exclusão e de privatização dessas áreas. A legislação atual oferece a garantia de acesso da população ao ambiente costeiro, à praia. Quando deixa de ser terreno de Marinha e passa a ser uma propriedade como outra qualquer, não há obrigação nenhuma como a servidão de acesso ao mar. Na prática, a PEC das Praias significa fechar o acesso à praia. Mesmo sem a PEC das Praias, há várias praias privatizadas ilegalmente no Brasil como as praias de Angra dos Reis no Rio de Janeiro, já inacessíveis para a população, porque têm residências, resorts e condomínios que bloqueiam o acesso à praia. No Condomínio Laranjeiras, em Paraty, cidade no Estado do Rio de Janeiro, não dá para acessar a praia.
Organizações ambientalistas alertam que a aprovação da PEC das Praias pode comprometer a biodiversidade do litoral brasileiro. Se essas áreas, responsáveis pela absorção de carbono, forem vendidas a empreendimentos privados, a tendência é aumentar a degradação ambiental. E isso vai fragilizar ainda mais comunidades tradicionais que dependem do ecossistema marinho para sobreviver (populações caiçaras, quilombolas, ribeirinhas e povos indígenas). Estudo do MMA, de 2018, revela que há avançado processo erosivo em 40% da costa brasileira. De acordo com o Painel Mar, a erosão será intensificada, causando o chamado estreitamento da costa até o colapso do turismo com a supressão das praias. A supressão das dunas e praias por calçadões e avenida beira-mar durante as últimas décadas acarretou severos impactos, tais como a diminuição da área de lazer da praia central e o sombreamento da praia. Não apenas por atentar contra a grande maioria da população brasileira ao restringir seu acesso às praias em consequência de sua privatização e pelo fato de contribuir para aumentar a degradação ambiental, o povo brasileiro deveria repelir este projeto retrógrado em tramitação no Congresso Nacional. Não à privatização das praias.
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