Na era contemporânea, tem sido uma prática dominante em países capitalistas como o Brasil combater a inflação com a elevação das taxas de juros cuja ineficácia é comprovada com a persistência da inflação e não sua redução. Além de não contribuir para reduzir a inflação, as altas taxas de juros representam transferência de renda de toda a sociedade para uma parcela relativamente pequena da população, os portadores de títulos da dívida pública, os chamados rentistas. Em apenas um ano, os rentistas (5 milhões de famílias) recebem do governo, via juros, o que os beneficiários do Bolsa Família (14 milhões de famílias) levam 14 anos para ganhar, segundo o economista André Lara Resende.
Como o governo tem controlado a inflação no Brasil? Para manter a inflação sob controle, o governo brasileiro promove desde 1994, com base no modelo econômico neoliberal, a abertura do mercado nacional aos produtos importados para forçar a baixa dos preços internos, bem como adota as chamadas “âncoras” cambial e monetária. A âncora cambial instituiu o regime de “bandas” cambiais com a taxa de câmbio variando entre determinados limites que, na prática, busca baratear o custo dos produtos importados para forçar a baixa dos preços internos. Por sua vez, a âncora monetária busca reduzir o volume de dinheiro em circulação com a venda de títulos públicos para evitar sua pressão sobre os preços. Complementarmente, o Banco Central do Brasil eleva a taxa de juros básica da economia (Selic) para aumentar o custo do dinheiro e o nível das reservas compulsórias dos bancos (recursos que eles são obrigados a “deixar guardado” no Banco Central) para reduzir o volume de dinheiro em circulação.
A partir de 1999, foi adotado o regime de metas de inflação, em que as autoridades monetárias se comprometeram a cumprir metas estabelecidas para o ano corrente e o próximo. Uma das formas de buscar atingir as metas de inflação é por meio da taxa Selic. Ao elevar os juros, o governo aumenta o custo do dinheiro, faz cair a procura por produtos e serviços à venda e, consequentemente, busca promover a queda da inflação. Como os juros encarecem o crédito, as empresas precisam de mais dinheiro para quitar as dívidas e isso pode ocasionar um aumento no preço do produto final alimentando o processo inflacionário ao invés de reduzi-lo como pretende o Banco Central. Esta sistemática de controle da inflação pelo governo brasileiro tem sido extremamente ineficaz porque, além de não reduzir efetivamente a inflação porque atua sobre os sintomas e não sobre as verdadeiras causas do problema, tem sido danosa para a economia nacional ao levar o País à recessão, à queda dos investimentos, ao aumento do desemprego e à elevação da dívida pública.
Recentemente o presidente Lula e ministros de seu governo consideraram que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, traiu a confiança que o governo depositava nele para dialogar e participar de um esforço conjunto para que o Brasil supere os problemas econômicos que hoje enfrenta sem passar por uma recessão. O presidente do Banco Central não apenas manteve a taxa básica de juros (Selic) extremamente elevada em 13,75% ao ano pela quarta reunião consecutiva, sendo a primeira desde que Lula tomou posse, bem como disse que deve manter as taxas em patamares altos por mais tempo. Com essa mensagem, o Banco Central estaria dificultando a recuperação do crédito e a atividade econômica no País, e colocando o Brasil na rota da recessão. O presidente Lula e seu governo passaram a desconfiar da atuação de Roberto Campos, indicado ao cargo por Jair Bolsonaro para um mandato de quatro anos. Sua atitude não é surpreendente, porque Roberto Campos Neto, além de ser neoliberal e vinculado ao sistema financeiro a quem sempre prestou serviço, sempre foi alinhado com o bolsonarismo.
Trata-se de uma absurdo o que aconteceu nos últimos anos no Brasil quando a Lei Complementar 179/2021 estabeleceu a autonomia do Banco Central e que seu presidente e diretores terão mandatos fixos de quatro anos, não coincidentes com o do Presidente da República. Esta Lei estabelece que a estabilidade de preços continua sendo o objetivo fundamental do Banco Central que, sem prejuízo desse objetivo, também irá zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. Entretanto, na prática, o Banco Central nem suaviza as flutuações do nível de atividade econômica e nem fomenta o pleno emprego com sua ênfase nas taxas de juros extremamente elevadas. Com esta Lei, o Congresso Nacional dificultou a possibilidade do governo federal adotar políticas econômicas, fiscais e monetárias, articuladas entre si, como ocorre no momento atual na medida em que a política monetária imposta pelo Banco Central pode contribuir para inviabilizar o esforço do governo Lula na retomada do desenvolvimento nacional.
É importante observar que, em março de 2021, a inflação acumulada nos últimos 12 meses ultrapassou o teto da meta e não voltou mais. Para controlar a inflação, o Banco Central passou a aumentar a taxa básica de juros da economia, na tentativa de desestimular o consumo. Os fatos da vida demonstram que a adoção das políticas monetárias ineficazes em curso no combate à inflação precisam ser substituídas pela ação direta efetiva do governo sobre os fatores geradores da inflação com a adoção de medidas concretas para eliminar a inflação de demanda, a inflação de custos, a inflação monetária, a inflação inercial e a possibilidade de hiperinflação, Estas medidas estão apresentadas a seguir:
Como eliminar a inflação de demanda no Brasil?
A inflação de demanda acontece quando a produção interna no País é insuficiente para atender a demanda. Para evitar que isto aconteça, o governo brasileiro deveria planejar anualmente a economia nacional para atender a demanda prevista dos produtos agrícolas e industriais, de matérias- primas e insumos agrícolas e industriais e dos serviços de energia, transportes e comunicações e acompanhar sua evolução para avaliar os casos com possibilidade de desequilíbrios entre a oferta e a demanda. Identificados os casos de desequilíbrio entre a oferta e demanda nacional, o governo deveria agir para elevar a produção nacional ou importar os itens necessários. A prioridade da produção nacional é atender a demanda interna. Só quando houver excedentes da produção é que seriam exportados. O governo deve planejar com antecipação o nível de estoques reguladores de produtos agrícolas e industriais, de matérias- primas e insumos agrícolas e industriais e dos serviços de energia, transportes e comunicações para evitar sua falta e, consequentemente, evitar a inflação de demanda.
Como eliminar a inflação de custos de produção no Brasil?
Esta inflação ocorre quando há aumento nos custos de produção (maquinário, matéria-prima, mão-de-obra, impostos, etc.) dos produtos agrícolas, industriais, do comércio e dos serviços. Este tipo de inflação pode ser gerado pelo aumento de qualquer um dos custos de produção como: salários, matérias-primas, insumos ou impostos. Com o aumento dos custos de produção, a reação dos produtores é aumentar o preço dos produtos e serviços que fica mais elevado para o consumidor final. Portanto, nesse cenário, a economia do País irá se deparar com uma inflação de custos. Para eliminar a inflação de custos de produção, o governo brasileiro deveria acompanhar a evolução dos preços dos salários, matérias-primas e insumos para adotar medidas que contribuam para evitar seu aumento sem o correspondente aumento da produtividade, bem como incentivar o aumento da produtividade na produção agrícola, industrial, do comércio e dos serviços. Além disso, o governo brasileiro deveria reduzir seus custos eliminando gastos desnecessários e realizar uma reforma tributária que faça com que os impostos onerem ao mínimo possível a atividade produtiva e a população.
Como eliminar a inflação monetária?
Esta inflação ocorre quando há emissão de moeda fora do controle por parte do governo. Esta situação já ocorreu em vários momentos da história do Brasil, sobretudo na segunda metade do século XX quando a emissão de moeda contribuiu para a hiperinflação das décadas de 1980 e 1990. Acredita-se que o aumento de dinheiro em circulação sem o aumento da produtividade ocasiona na perda do poder de compra, ou seja, no aumento da inflação. A inflação monetária pode contribuir para a inflação de demanda. Para evitar a inflação monetária, o governo tem que evitar a emissão descontrolada da moeda.
Como eliminar a inflação inercial?
A inflação inercial se refere à memória inflacionária. Ou seja, a inflação atual resulta do índice passado somado à expectativa de inflação futura. Esse tipo de inflação não guarda qualquer relação com aumento da demanda ou dos custos nessa economia. Portanto, em uma economia onde os preços são reajustados automaticamente de um período para outro, há a ocorrência de inflação inercial. O Brasil já enfrentou no passado problemas com a inflação inercial que alimentava o processo inflacionário e contribuiu para a hiperinflação que aconteceu nas décadas de 1980 e 1990. Para evitar a inflação inercial, é preciso evitar a indexação de preços.
Como evitar a hiperinflação?
A hiperinflação é um nível de inflação considerado muito acima do tolerável. Além da alta elevada dos preços, esse cenário tende a gerar uma forte desvalorização da moeda local e pode gerar recessão econômica. Quando uma economia atinge a hiperinflação considera-se que a inflação está fora de controle. O Brasil já enfrentou em vários momentos de sua história o problema da hiperinflação como o que antecedeu a criação do Plano Real de estabilização da economia brasileira na década de 1990. Para evitar a hiperinflação, é preciso evitar a inflação inercial.
Conclusões
Pelo exposto, o controle da inflação pelo governo brasileiro tem sido extremamente ineficaz porque, além de não controlar efetivamente a inflação porque atua sobre os sintomas e não sobre as verdadeiras causas do problema, tem sido danoso para a economia nacional ao levar o País à recessão, à queda dos investimentos, ao aumento do desemprego e à elevação da dívida pública. O governo Lula deveria combater a inflação de demanda de bens e serviços planejando a economia em conjunto com o setor produtivo para que a produção nacional atenda a demanda interna de bens e serviços. O governo Lula deveria combater a inflação de custos de produção acompanhando a evolução dos preços dos salários, matérias-primas e insumos para adotar medidas que contribuam para evitar seu aumento sem o correspondente aumento da produtividade, incentivar o aumento da produtividade na produção agrícola, industrial, do comércio e dos serviços e promover redução de custos nos sistemas de energia elétrica e de produção de petróleo e no transporte de carga com sua planificação orientada para os modais hidroviário e ferroviário.
Portanto, ficou demonstrado que a estratégia atual do governo brasileiro de combate à inflação no Brasil é ineficaz por não controlar efetivamente a inflação. Isto significa dizer que o modelo econômico neoliberal que preside as ações do governo brasileiro na economia desde 1990 precisa ser abandonado imediatamente e substituído pelo modelo nacional desenvolvimentista de base Keynesiana que faria com que o governo Lula passasse a exercer um papel ativo no planejamento da economia nacional que, com mecanismos de “feedback” e controle, combateria com sucesso a inflação de demanda e de custos, evitaria a hiperinflação e promoveria o desenvolvimento nacional. Mas, para que isto possa ocorrer, é preciso acabar com a autonomia do Banco Central e substituir seu presidente por outro que esteja sintonizado com o governo Lula.
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* Fernando Alcoforado, 83, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.
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