Recentemente, a Starlink se viu envolvida em uma controvérsia legal, após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, determinar a suspensão de seus usuários do acesso à rede social X e o bloqueio de suas contas para assegurar o pagamento de multas relacionadas à rede social X, que tem Elon Musk como proprietário. Em resposta, a Starlink declarou, inicialmente, que não iria acatar a ordem de restringir o acesso dos usuários à plataforma X, mas recuou desta decisão no dia 03/09. É importante observar que a Starlink é uma constelação de internet via satélite operada pela Starlink Services, LLC, uma subsidiária integral da empresa aeroespacial americana SpaceX, fornecendo cobertura para 102 países. Ela também visa fornecer banda larga móvel global. Starlink cobre hoje todo o território brasileiro, mas é mais usada em regiões remotas onde a internet de fibra ótica e por outros meios não está disponível, como na Amazônia. Por essa característica, consegue chegar a áreas mais remotas, onde inclusive não há sinal de celular.
É importante observar que a Starlink domina o mercado de internet via Satélite no Brasil detendo 46% do mercado e é a 16ª provedora de conexão de banda larga fixa, com 0,5% de participação. Com uma base de 224,4 mil clientes distribuídos em 4.761 municípios, a Starlink se destaca especialmente em áreas remotas, como a Amazônia, onde a infraestrutura de fibra ótica é escassa. Esta situação evidencia a dependência do Brasil em relação à tecnologia digital da Starlink. Sendo dono da Starlink, se Elon Musk quiser pode fazer com que a internet não seja acessada por ninguém na Amazônia e em parte do território brasileiro, além de comprometer o trabalho das Forças Armadas que dela dependem para suas operações. Outro fato grave é que as imagens de satélite da Starlink podem ajudar na identificação de estruturas geológicas relevantes para a atividade de mineração no Brasil, especialmente na Amazônia. Essas informações são importantes para Musk compreender a geologia da região e identificar áreas com potencial mineral que podem ser usadas nos seus negócios. O lamentável é o fato de o Brasil ficar à mercê da Starlink no Brasil. O governo Lula devia romper imediatamente o contrato com a Starlink e buscar outras alternativas.
Evgery Morozov, escritor, pesquisador e intelectual da Bielorrússia que estuda as implicações políticas e sociais da tecnologia, em palestra na Universidade de Brasília (UnB) abordando o tema Contestando o poder das Big Techs: soberania tecnológica e futuros digitais alternativos, defendeu que países como o Brasil devem buscar sua autonomia tecnológica, desenvolvendo técnicas e infraestruturas digitais próprias de forma a não depender das Big Techs estrangeiras. O pesquisador Morozov afirmou que a mera regulação das plataformas digitais, apesar de importante, não é suficiente. Para ele, a autonomia econômica de uma nação depende da autonomia tecnológica, ou seja, do domínio sobre as tecnologias digitais de ponta. “Defender a soberania tecnológica é defender a soberania econômica, sendo o primeiro pré-requisito para o segundo”. Morozov sustenta que somente o Estado pode liderar uma transformação no mundo digital capaz de fazer frente ao poder das Big Techs. “As nações devem investir em setores emergentes e promover novos empreendimentos que desempenhem papéis essenciais em tecnologia, desde microprocessadores para 5G, como Inteligência Artificial (IA)”. Como essa agenda enfrentaria fortes oponentes, segundo o pesquisador Morozov, apenas o Estado seria capaz de liderar um desenvolvimento tecnológico com base nacional. Morozov acrescentou que desenvolver infraestruturas digitais e IA alternativas custaria muito dinheiro, o que só poderia ser financiado pelo Estado.
Na mesma linha da proposta de Morozov de superação da dependência tecnológica do Brasil, centenas de pesquisadores e cientistas brasileiros ligados à área tecnológica propuseram um “Programa de Emergência para a soberania digital” que foi apresentado ao presidente Lula, antes de sua posse, para sua implementação pelo seu governo. A conclusão dos autores deste programa são as de que “somos obrigados a reconhecer que estamos em situação de forte dependência de empresas que exploram as aplicações para postagem de vídeos, buscadores e produtos educacionais, como é o caso do Google, que, segundo levantamento da Educadigital, 75% das universidades têm contratos ditos “gratuitos” com a empresa, a despeito de estar evidente que a contrapartida é a transferência volumosa de dados afetados pelo interesse público e por direitos fundamentais, sem as devidas garantias de soberania do Brasil sobre esses ativos de grande valor econômico. Todo esse movimento, orientado pelos princípios neoliberais, confronta com os fundamentos da Constituição Federal de 1988, marcada pelas bases do Estado de Bem Estar Social, assim como desrespeita as garantias democráticas conquistadas com o Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, Lei de Acesso a Informação entre outras”.
Levando em conta o que acaba de ser exposto, pode-se afirmar que o Brasil jamais se tornará um país independente sem levar ao fim a dependência da tecnologia digital em relação ao exterior. No entanto, ela não pode ocorrer de forma abrupta porque levaria ao colapso de sua estrutura econômica diante da dependência total do Brasil da tecnologia digital cujos detentores são as Big Techs. Trata-se de um impasse de proporções gigantescas. Diante deste fato, a independência da tecnologia digital do País em relação ao exterior deve ocorrer de forma gradual, planejada e sustentável ao longo do tempo com a adoção de políticas de fortalecimento dos centros de pesquisas científicas e tecnológicas, das universidades públicas e privadas e da indústria nacional para desenvolver as competências essenciais para promover a substituição de importações de produtos das Big Techs para assegurar a autossuficiência nacional, e, consequentemente, o desenvolvimento econômico e social do Brasil. O Brasil, que comemora 202 anos de sua independência em relação ao colonizador português, só conquistará sua verdadeira independência como nação em relação ao exterior quando superar sua dependência tecnológica, sobretudo, da tecnologia digital.
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