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Geral Rubens Paiva

O FILME AINDA ESTOU AQUI DO CINEASTA WALTER SALLES E A DITADURA MILITAR.

O filme retrata o ambiente dos anos 1970 contando a história da vida de uma mulher casada com um grande brasileiro, Engenheiro Rubens Paiva.

14/11/2024 às 21h59
Por: Colunista Fonte: Fernando Alcoforado*
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Foto: Reprodução internet / otempo.com.br
Foto: Reprodução internet / otempo.com.br

Assisti hoje o filme “Ainda estou aqui” do cineasta Walter Salles, que é uma adaptação cinematográfica do livro de Marcelo Rubens Paiva que narra a trajetória marcante de sua mãe, Eunice Paiva, durante a ditadura militar no Brasil. O filme retrata o ambiente dos anos 1970 contando a história da vida de uma mulher casada com um grande brasileiro, Engenheiro Rubens Paiva, então diretor da empresa Geobras e Paiva Construtora, ex-deputado federal cassado pela ditadura militar após o golpe de estado de 1964 e que se exilou na Iugoslávia e depois na França. Passados nove meses, viajou com destino a Buenos Aires, a fim de se encontrar com o ex-Presidente João Goulart e Leonel Brizola. Rubens Paiva voltou para o Brasil indo morar no Rio de Janeiro, mas sempre fazendo contatos com os exilados. Rubens Paiva foi preso e torturado até a morte nas dependências de um quartel do Exército entre 20 e 22 de janeiro de 1971, cujo  corpo foi enterrado e desenterrado diversas vezes por agentes da repressão até ter seus restos jogados ao mar, na costa da cidade do Rio de Janeiro, em 1973, dois anos após sua morte.

Eunice, esposa de Rubens Paiva, também foi detida no mesmo dia, juntamente com sua filha de quinze anos, Eliana, e permaneceu incomunicável durante doze dias. Eliana foi solta no dia seguinte. Entre o dia de sua prisão e o seguinte, Rubens Paiva foi transferido da III Zona Aérea para o Destacamento de Operações Internas (DOI), no quartel da Polícia do Exército, onde teria sido novamente torturado. No caminho, Rubens Paiva reclamava que não conseguia respirar, mas chegou consciente ao quartel. Foi interrogado e à noite outros prisioneiros ouviram ele pedir água a um carcereiro. De madrugada, um médico do DOI-Codi foi chamado ao quartel encontrando Rubens Paiva nu, deitado numa cela no fundo do corredor com os olhos fechados, corpo marcado de pancadas e sinais de hemorragia interna. O médico aconselhou que levassem o prisioneiro ao hospital, mas um major do Exército que o acompanhava achou melhor retê-lo. Rubens Paiva morreu por causa dos ferimentos sofridos em sessões de tortura.

Rubens Paiva foi preso e torturado porque, no ano de 1969, depois de uma visita a Santiago do Chile, para ajudar a exilada Helena Bocayuva Cunha, filha de seu amigo, Bocayuva Cunha, também deputado cassado após o golpe de 1964, que fora implicada no sequestro do embaixador americano Charles Elbrick.  Algum tempo depois, pessoas que traziam uma carta de Helena endereçada a Rubens Paiva foram presas pelos órgãos da repressão política. Os agentes da ditadura militar suspeitaram que Rubens Paiva fosse o contato de Carlos Alberto Muniz, militante do grupo guerrilheiro MR-8 e de Carlos Lamarca, também combatente da ditadura, na época o homem mais procurado do país. Na esperança de chegar a Lamarca, seis homens que disseram pertencer à Aeronáutica, armados com metralhadoras, invadiram a casa de Rubens Paiva, no Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1971, para prendê-lo, sem contudo apresentar um mandado de prisão.

Ao assistir este filme, constatei que o drama vivido por Rubens Paiva e sua família guarda semelhança com minha própria experiência na época da ditadura militar quando residia no Rio de Janeiro. Eu fui preso no dia 7 de setembro de 1975 por agentes do DOI-Codi nas mesmas dependências onde Rubens Paiva foi torturado e morto. Minha prisão ocorreu porque uma pessoa, que era perseguida pela ditadura militar, a quem eu tinha dado guarida em minha residência, foi presa e torturada nas dependências do DOI-Codi revelando o que havíamos combinado de eu lhe entregar sua mala na Praça Saens Pena na Tijuca. Ao chegar à Praça Saens Pena, eu fui encapuzado, preso e torturado por agentes militares durante duas semanas. Durante este período, minha residência foi objeto de busca e apreensão de algo que pudesse me incriminar perante a ditadura. Como eu não havia revelado nada do que eu sabia e os agentes da ditadura não encontraram nada que me incriminasse, além de ter dado guarida a quem me delatou, os agentes da ditadura prenderam minha falecida esposa, Doralice Alcoforado, na tentativa de obrigar-me a revelar o que eles desejavam. Ela foi colocada diante de minha pessoa. Como minha falecida esposa Doralice mostrou firmeza, nos mantivemos em silêncio.

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É importante destacar a inteligência de minha falecida esposa Doralice que, percebendo que seria presa, buscou o apoio de um grande amigo Benito Fuschillo que levou nossos filhos, Paulo e Claudia, de 6 e 5 anos de idade, respectivamente, para a residência de dois queridos amigos Eliete Telles e Fernando Machado preservando-os dos maltratos que poderiam sofrer da ditadura militar. Durante o período de minha prisão e de minha falecida esposa, houve a mobilização de dirigentes da Light, empresa onde eu trabalhava como assessor do Vice- Presidente de Engenharia e Tecnologia e de amigos que contaram com o apoio do então deputado Lisâneas Maciel e do cardeal Eugênio Salles que pressionaram a ditadura militar no sentido de parar com as sessões de tortura a que fui submetido. Muito provavelmente foi esta mobilização que fez com que eu não tivesse o mesmo destino de Rubens Paiva, do jornalista Wladimir Herzog, do engenheiro Jorge Leal e do sindicalista Manuel Fiel Filho, todos assassinados pela ditadura militar. Em seguida, eu e minha esposa fomos liberados e eu fui demitido da Light, empresa de energia, que atuava no Rio e São Paulo, por exigência do Exército.  

Finalmente, é importante observar que um fator que contribuiu, também, para a minha prisão foram os meus antecedentes do período de estudante universitário de 1961 a 1964 quando eu tive participação ativa no movimento estudantil seja na Bahia na União dos Estudantes da Bahia e nacionalmente na UNE- União Nacional dos Estudantes quando batalhamos na luta pela legalidade em defesa da posse de João Goulart na Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, na luta pelas reformas de base, especialmente pela reforma universitária, preconizadas pelo Presidente João Goulart. Após o golpe de estado de 1964, respondi a inquérito policial militar no âmbito estudantil e fiquei encarcerado durante 6 meses nas dependências do Exército em Salvador. Em 1970, eu fui condenado a 1 ano de prisão que cumpri na antiga Casa de Detenção pelos atos que pratiquei como estudante universitário em defesa do progresso político, econômico e social do Brasil.

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O magnífico filme “Ainda estou aqui” que retrata a trajetória de vida de Rubens Paiva e de sua família e, também, a minha trajetória de vida e de milhares de brasileiros que foram vítimas da ditadura militar durante 21 anos, nas décadas de 1964 a 1985, deixa bastante evidenciado que temos que repelir qualquer tentativa de implantação em nosso país do terrorismo de estado que uma ditadura representa. Ditadura nunca mais no Brasil!  

 

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Fernando Alcoforado
Fernando Alcoforado
Sobre Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona. Professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997),De Collor a FHC — O Brasil.
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