O jornalista Leandro Demori recebeu o filósofo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcos Nobre para uma conversa sobre os dilemas da democracia brasileira, o papel das novas tecnologias na política e os desafios do campo progressista.
Presidente do Centro para a Imaginação Crítica do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e autor do livro Limites da Democracia, vencedor do Prêmio Jabuti, Nobre fez uma análise sobre os rumos da política nacional.
A entrevista, que vai ao ar nesta terça-feira (1º) foi gravada no mesmo dia em que o ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou réu por tentativa de golpe de Estado, fato que abriu a conversa.
“Responsabilizar pessoas que são suspeitas de dar um golpe de Estado é uma coisa muito, muito, muito importante”, afirmou.
Continua após a publicidade
Segundo ele, as instituições brasileiras estão cumprindo um papel que os Estados Unidos, por exemplo, não cumpriram após os ataques ao Capitólio em 2021 . “Isso não foi feito nos Estados Unidos e a gente está vendo a consequência de não se fazer isso, de não responsabilizar pessoas pelos seus eventuais crimes”, disse.
O professor destacou que, apesar da queda de mobilização popular nas ruas em torno de Bolsonaro, é um erro subestimar o bolsonarismo. Nobre explicou a dinâmica do chamado “Partido Digital Bolsonarista”, um ecossistema político que não depende de estrutura partidária tradicional.
“Se você tem um partido digital, por exemplo, você não precisa prestar contas à justiça eleitoral, você tem uma vantagem competitiva enorme”, explicou. Segundo ele, esse sistema cria sensação de participação entre os apoiadores e se articula de forma complementar a partidos como o PL.
A conversa também abordou a ascensão da extrema direita global, com paralelos entre os casos de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Nobre argumentou que é um erro tratar esses personagens como figuras folclóricas.
“Não chame o Trump de burro, de louco, de maluco. Essa pessoa sabe muito bem o que ela está fazendo. Simplesmente tome essa pessoa com a seriedade que ela merece, porque ela está reformulando a ordem global internacional”, disse.
Para o filósofo, a esquerda brasileira ainda não conseguiu formular uma imagem de futuro que dispute com a narrativa da extrema direita.
“A extrema-direita tem o hábito de dar golpe, de acabar com a democracia, de fechar tudo… A gente tem que formular um programa do novo progressismo muito rapidamente, enquanto ainda tem eleição, enquanto a gente tem alguma democracia”, afirmou.
Nobre também analisou a fragilidade da coalizão que sustenta o governo Lula. Ao comentar sobre a chamada “esquerda à esquerda”, o professor afirmou que esses grupos ainda são minoritários eleitoralmente e culturalmente, mas têm papel fundamental na formulação de utopias.
“Dá para dizer hoje que é minoritário em termos eleitorais, minoritário em termos culturais e de hegemonia, mas assim, é sempre muito importante, porque se tem alguém olhando para além do capitalismo, isso é uma coisa que produz justamente um tipo de utopia, um tipo de sonho, que é necessário para alimentar”, acredita. Para ele, é muito importante que essa ala esquerda do progressismo, que é minoritária, continue elaborando coisas que estão “completamente fora da caixa.”
Nobre afirmou ainda que é preciso atuar em três frentes conflitantes simultaneamente:
“Como é que eu vou defender a instituição, ao mesmo tempo dizer que ela está caduca, que precisa fazer uma nova, e que essa nova que vai ser feita, ela não é suficiente, porque ela ainda não liberta a gente como a gente quer. Então, é muito complexo, mas é isso que tem que ser feito, é isso que o momento exige. Porque a gente sabe que quando a extrema-direita chega ao poder, a guerra, o autoritarismo, são o próximo passo”, afirma.
“Está tudo em risco. Então, assim, a gente não pode hesitar nesse momento”, concluiu.
O programa DR com Demori vai ao toda terça-feira, às 23h, na TV Brasil, no aplicativo TV Brasil Play e no YouTube . Também é veiculado nas rádios Nacional FM e MEC .
Mín. 25° Máx. 28°