Pessoas com epilepsia podem ter uma vida normal, se acompanhadas clinicamente
Uma pessoa com epilepsia carrega mais do que a possibilidade de convulsionar-se incontrolavelmente: carrega o preconceito em relação a uma doença que é tratável. E séria: 25% das pessoas com a doença no Brasil já estiveram em estado grave, segundo um levantamento feito em 2023 pela Secretaria de Atenção Especializada do Ministério da Saúde.
As crises ocorrem devido a descargas elétricas excessivas de um grupo de neurônios no cérebro, que podem acontecer de diferentes formas. O diagnóstico é feito de maneira clínica, baseado nos sintomas relatados pelo paciente e por seus familiares. “É estabelecido que a pessoa deve apresentar duas crises espontâneas num intervalo maior que 24 horas para a epilepsia ser diagnosticada, além de exames que reforcem a possibilidade de outra crise”, define José Hortêncio dos Santos Neto, neurologista e integrante do ambulatório de Epilepsia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), equipamento da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
Hortêncio explica que as crises epilépticas ocorrem principalmente durante a infância, entre o primeiro e o segundo ano de vida, e a partir dos 70 anos. “Há muitas causas para a epilepsia. Na infância é, geralmente, por acidentes ginecológicos, pelo desenvolvimento da própria criança, às vezes genético. Já entre idosos, acontece por conta de acidentes vasculares cerebrais (AVCs), pancadas ou outras coisas que acontecem na idade”, detalha.
O tratamento para a epilepsia é, basicamente, medicamentoso, havendo a possibilidade de cirurgia para casos selecionados. Se bem tratada, a pessoa pode seguir sua vida normalmente, exceto pilotar motocicletas ou realizar atividades de alto risco, como esportes radicais.
A epilepsia é comumente associada à convulsão. Entretanto, essa manifestação involuntária do corpo, ocasionada por uma atividade anormal do cérebro, pode ser causada por outros fatores – inclusive pela epilepsia. “Uma pessoa alcoolizada, desidratada por perder muito sódio ou com diabetes também pode ter convulsões”, explica Hortêncio.
Por se tratar de uma situação em que o indivíduo perde o controle sobre o corpo, o neurologista do HGF faz uma série de orientações sobre como agir ao presenciar uma convulsão. “Em primeiro lugar, manter a calma – uma crise convulsiva, geralmente, dura poucos minutos. Depois, a pessoa convulsionada deve ser protegida. Ela não deve ser agarrada ou contida, mas, sim, estar afastada de quaisquer objetos que estejam próximos dela. É preciso também proteger sua cabeça, para evitar que ela se machuque”, diz.
Outro aspecto da convulsão é o mito de que, durante uma crise, é necessário proteger a língua da pessoa. Hortêncio esclarece por que isso não é verdade. “Ninguém engole a língua. A gente pede que não se coloque algo na boca da pessoa, pois ela pode machucar a si e a quem está auxiliando. O que se deve fazer, sim, é virar a cabeça da pessoa para o lado, para que a saliva que estiver saindo da boca dela possa escorrer, além de não tentar conter a pessoa”, orienta o médico do HGF.
Passada a convulsão e retornada a lucidez, orienta-se investigar a causa da crise, atentando-se aos critérios já mencionados.
Alexsandra Gomes mostra fé e determinação para lidar com a epilepsia
O médico explica que a desinformação leva ainda a muito preconceito com os pacientes que têm a condição. “Muitas pessoas perdem emprego, têm dificuldade de relacionamentos e de estudos”. Daí a importância de levar a informação a todos.
A digitadora Alexsandra Gomes, 46 anos, teve sua primeira crise epiléptica aos dois anos de idade, após uma queda. Desde então, sua vida mudou. Precisava de dez medicamentos por dia para conter as crises, que, mesmo assim, não cessaram. “Nunca mais tive saúde”, relembra.
Mesmo em um ambiente de trabalho respeitoso, segundo ela, episódios de preconceito devido à epilepsia aconteceram. “Uma vez, em uma discussão, um colega chegou para mim e disse: ‘eu não vou nem falar mais com você porque você pode ter um ataque’. Sabe, eu fiquei chateada, mas isso foi superado”, conta a digitadora.
Em 2015, ela iniciou o tratamento no HGF. Após passar por alguns procedimentos, ela comemora não precisar mais de medicamentos e o fim das crises. Como a doença não tem cura, ela continua indo regularmente ao ambulatório para acompanhamento. “Sou muito bem acolhida aqui, graças a Deus. Me ajudaram muito”, agradece Alexsandra.
O neurologista do hospital diz ainda que, para o sucesso do tratamento, é necessário um bom acompanhamento médico. “[Por exemplo,] uma crise do lobo temporal tem algumas características clínicas e a gente consegue ver isso com uma história bem feita. O segredo da epilepsia é a história; é conversar com pacientes”, finaliza.
Criado em 1996, o ambulatório de epilepsia do HGF é parte do setor de Neurologia da unidade. Funciona às quintas-feiras, mediante encaminhamento da rede primária de saúde, e atende preferencialmente casos crônicos. Anualmente, são atendidos, em média, 1.500 pacientes.
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