Uma inédita pesquisa realizada pelo Insper em parceria Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez um mapeamento da tortura e maus-tratos contra adolescentes no país.
Divulgada pela equipe de Comunicação do Insper, o estudo traz alguns interessantes dados que policiais militares foram apontados como autores de tortura em 91,3% das denúncias feitas por adolescentes nas audiências realizadas pela Justiça; 95,7% desses casos foram cometidos contra adolescentes pretos ou pardos; houve denúncias de tortura e maus-tratos em 23 das 185 audiências acompanhadas pela pesquisa com adolescentes infratores; essa quantidade representa 12,4% do total avaliado e os pesquisadores justificam que esse percentual é baixo porque muitos jovens não fazem relatos à Justiça por temerem possíveis retaliações; em apenas 18,9% das 185 audiências avaliadas, os magistrados perguntaram diretamente para o adolescente sobre tortura ou maus-tratos durante a abordagem e apreensão.
O release apresentado pela assessoria traz mais informação escrita pelo CNJ, que também contém o hiperlink de acesso ao levantamento. Logo abaixo!
A apresentação de adolescentes em conflito com a lei a um juiz ou uma juíza para a verificação de episódios de tortura é fundamental para a identificação desses casos e a respectiva investigação. De acordo com a pesquisa Caminhos da tortura na Justiça Juvenil brasileira: o papel do Poder Judiciário, elaborada pelo CNJ em parceria com o Instituto de Estudo e Pesquisa (Insper), o indicativo de ocorrência de tortura foi mostrado por adolescentes apreendidos quando questionados durante audiências.
O estudo buscou identificar como a magistratura, especialmente na etapa do atendimento inicial, aborda a questão da tortura e dos maus-tratos contra adolescentes envolvidos com atos infracionais. Os dados do estudo vão orientar o CNJ na maior capacitação de juízes e juízas sobre as normas já existentes, como resoluções, recomendações e manual, e trabalhar na elaboração de novos mecanismos que fortaleçam o combate à tortura de jovens no país praticada no ato da apreensão.
Atualmente, a Resolução CNJ n. 414/2021 estabelece diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura. O instrumento age no aperfeiçoamento dos laudos periciais em caso de indícios de prática de tortura ou maus-tratos na justiça criminal e na justiça juvenil. Uma das conclusões do diagnóstico encomendado pelo CNJ aponta pouca aplicação dessas diretrizes.
Na avaliação do juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César, a pesquisa representa diagnóstico importante sobre o tema um caro ao Conselho Nacional de Justiça. “O estudo servirá para que o CNJ busque soluções para os problemas apontados e possa conscientizar todo o sistema de Justiça a respeito do cumprimento da Resolução CNJ 414/2021”, afirmou.
Cenário
A pesquisa analisou 185 audiências de apresentação para identificar o papel de magistrados e magistradas na prevenção e no combate à tortura na Justiça Juvenil. Além disso, foi analisado também como os temas da prevenção e do combate à tortura aparecem na fase da execução das medidas socioeducativas de internação.
Entre dezembro de 2023 e julho de 2024, os pesquisadores entrevistaram juízes e juízas e, também, integrantes da Defensoria Pública, do Ministério Público, os próprios adolescentes em unidades de internação, representantes da sociedade civil, servidores e servidoras de órgãos de atendimento socioeducativo, equipe técnica dos tribunais e mães de adolescentes.
De acordo com o levantamento, ainda são poucos os magistrados que perguntam diretamente sobre tortura. Em 62% do total de audiências observadas, os magistrados não perguntaram ao adolescente sobre as circunstâncias da apreensão ou abordagem policial. O mesmo ocorre com promotores e defensores públicos.
Números
Um dos pontos observados ao longo das audiências é o fato de os adolescentes se sentirem à vontade para falar quando são questionados. Somente em 2,7% dos casos os adolescentes afirmam espontaneamente sobre a existência de algum tipo de violência. Quando é identificado algum caso de tortura, a pesquisa indicou que, em 91,3% das denúncias, os autores da violência são policiais militares. Outros autores, apontados pelo estudo, são policiais civis ou populares.
A pesquisa destaca ainda que foram feitas, nas audiências observadas, 23 denúncias de tortura, porém em apenas uma houve análise do laudo durante a audiência de apresentação. Desse total, o exame de corpo de delito foi realizado em sete casos, como orienta a Resolução CNJ 414/2021. Em nove casos, houve encaminhamento às autoridades competentes, entre os quais está Ministério Público, Polícia Judiciária e órgãos administrativos de correição.
Na avaliação dos pesquisadores, o estudo reforça a necessidade de se observar um fluxo de atendimento inicial no qual o juiz exerça o papel central na identificação, apuração e pedido de providências em caso de denúncias de tortura. Entre as recomendações, estão a edição de ato normativo que uniformize a realização da audiência de apresentação, a garantia da presença física do adolescente perante a autoridade judiciária e o estabelecimento de protocolo com procedimentos para a entrevista qualificada, para a documentação dos indícios de prática de tortura ou maus-tratos.
Outros instrumentos
O CNJ tem realizado um conjunto de iniciativas que visam reforçar o papel do Poder Judiciário na garantia dos direitos fundamentais de adolescentes em conflito com a lei, especialmente os que receberam a medida de privação de liberdade. Além da Resolução 414/2021, no mesmo ano, o CNJ editou a Recomendação 98/2021, com diretrizes para a realização de audiências concentradas para a reavaliação de medidas socioeducativas de internação e de semiliberdade.
A recomendação é de que a autoridade judicial indague sempre, em audiência, sobre o tratamento recebido por cada adolescente ao longo do cumprimento da medida socioeducativa e questione, em especial, as condições de execução da medida socioeducativa e a ocorrência de violações de direitos, como a prática de tortura e outros tratamentos degradantes.
Texto: Ana Moura / Edição: Thaís Cieglinski / Agência CNJ de Notícias.
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