Quanto mais avançam as investigações da Polícia Federal (PF) contra Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno, vai restando claro que o ex-presidente aparelhou o Estado brasileiro para atender a interesses pessoais, sequer considerando administrar o país durante o mandato que lhe foi entregue pela população. A PF começou a revelar, nesta quinta-feira (11), as primeiras evidências de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) agiu para proteger os filhos do ex-presidente de investigações na Justiça.
Em áudio obtido pela PF, o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem — hoje deputado federal pelo PL e candidato à prefeitura do Rio de Janeiro — conversa com Bolsonaro e com o General Augusto Heleno sobre o caso das “rachadinhas” do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que acaba de quitar uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília.
A PF acredita que a agência também foi instrumentalizada para blindar Jair Renan Bolsonaro, o filho “04” do ex-presidente, dos processos a que responde. Já Carlos Bolsonaro, aponta a polícia, teve suporte da agência depois que foi aventada a possibilidade de ele ser convocado a prestar depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, instaurada para investigar as condutas de seu pai durante a pandemia.
Indiciado na semana passada em meio ao escândalo das joias afanadas do acervo presidencial, o capitão da extrema-direita se complica ainda mais na Justiça. De acordo com a PF, a Abin monitorou clandestinamente os ministros, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux, todos do Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes, inclusive, é relator de diversos processos que envolvem o ex-presidente e seus aliados.
No Congresso Nacional, a “Abin paralela” de Bolsonaro mirou o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Alessandro Vieira (MDB-SE). A lista inclui ainda a ex-deputada Joice Hasselmann, o ex-prefeito de São Paulo João Doria e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia.
O tratamento repulsivo dispensado à imprensa durante o mandato era apenas um dos sintomas do autoritarismo de Bolsonaro. A PF afirma que o ex-presidente utilizava a máquina pública para monitorar e controlar diversos profissionais, a exemplo das colunistas dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, Mônica Bergamo e Vera Magalhães, respectivamente.
Eram considerados inimigos do governo do capitão também os jornalistas, Pedro Cesar Batista, do Comitê Anti-imperialista General Abreu e Lima, e Luiza Alves Bandeira, do Digital Forensic Research Lab (DFRLab).
Ainda na quinta-feira, a PF deflagrou a quarta fase da Operação Última Milha e prendeu agentes diretamente subordinados a Ramagem, entre eles, um policial federal e um sargento do Exército, ambos cedidos à agência, além de influenciadores digitais ligados ao “gabinete do ódio”, chefiado por Carlos Bolsonaro.
A pedido do STF, mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão foram cumpridos contra Mateus de Carvalho Spósito, Richards Pozzer, Marcelo Bormevet, Giancarlo Gomes Rodrigues e Rogério Beraldo de Almeida. Foram alvos apenas de busca e apreensão José Matheus Gomes e Daniel Ribeiro Lemos.
Na decisão que autorizou a operação da PF, Moraes disse que eles “participaram de uma estrutura espúria, infiltrada na Abin, voltada para a obtenção de toda ordem de vantagens para o núcleo político, produzindo desinformação para atacar adversários e instituições, que, por sua vez, era difundida por intermédio de vetores de propagação materializados em perfis e grupos controlados por servidores em exercício na Abin”.
Sobre as manifestações golpistas de 8 de janeiro de 2023, a PF conseguiu acesso a uma troca de mensagens, de 2022, entre dois dos alvos da operação deflagrada nesta quinta. Na conversa, eles abordam a “minuta do decreto de intervenção” e o “rompimento democrático”.
Bormevet questiona Giancarlo Rodrigues se Bolsonaro já havia assinado o documento. “O Nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto?”, pergunta. “Assinou nada. Tá foda essa espera”, reponde Rodrigues.
Por meio do “X”, a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), repudiou o autoritarismo de Bolsonaro. “Das rachadinhas ao golpe, da espionagem às fake news, o inelegível transformou a agência numa Gestapo particular, a serviço de seus interesses políticos e pessoais, incluindo a blindagem dos crimes da família”, elencou.
“Durante quatro anos, o Brasil esteve nas mãos dessa gente, pessoas tão bandidas que grampeavam uns aos outros. E tudo indica que fizeram coisas ainda piores contra o país, a Justiça e a democracia. É para encobrir seus crimes e enterrar as investigações que eles querem voltar. Que ninguém se iluda: não existe bolsonarista ‘civilizado’. São todos cúmplices do chefe inelegível”, completa Gleisi.
O senador Humberto Costa (PT-PE) divulgou um vídeo cobrando punição para todos os envolvidos. “A vitória de Lula interrompeu o golpe em curso. Mas a investigação sobre a Abin Paralela escancara como Bolsonaro e sua turma estavam corroendo o Estado durante o tempo que estiveram no poder. Essa quadrilha precisa ser punida. Sem anistia para quem ataca a democracia”, disse.
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