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Meio Ambiente Poluição no Brasil.

Programa que facilita a compra de carros pode agravar problemas de poluição no Brasil.

O governo federal anunciou como "política verde" um plano de R$ 500 milhões em descontos para carros com motor flex. No entanto, a medida pode aumentar as emissões de CO2.

23/06/2023 às 00h34
Por: Colunista Fonte: Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental - RBJA / Matheus Ferreira - Climate Tracker.
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Foto: Reprodução internet.
Foto: Reprodução internet.

Por Matheus Ferreira.

Durante o Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma medida provisória que reduz o preço dos automóveis no mercado, destinando R$ 500 milhões em incentivos fiscais, equivalentes a R$ 100 milhões, para baratear os veículos de passeio, e R$ 1 bilhão de reais – o que daria cerca de R$ 200 milhões – para a substituição de ônibus e caminhões.

O governo garante que os descontos patrocinados são para carros com motor flex , aqueles que usam etanol (biocombustível) ou gasolina (combustível fóssil). Segundo o projeto, ao oferecer uma opção com menor emissão de gás carbônico, o veículo seria mais “sustentável”.

Porém, na prática esse incentivo pode acabar aumentando o número de carros nas ruas ao invés de simplesmente substituir os menos eficientes por opções melhores. 

Trânsito intenso na Avenida Tiradentes, São Paulo. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil. 

O impacto foi imediato e os preços caíram no dia seguinte ao anúncio. Nas tabelas da indústria, o Kwid da Renault era o novo modelo mais barato, custando R$ 70.000 (cerca de US$ 14.000) antes do projeto. Com descontos que variam de 1,6% a 11,6%, o Kwid está sendo vendido a partir de R$ 58.990. Outras montadoras seguiram o exemplo e passaram a oferecer descontos de até R$ 8 mil. 

Segundo o governo, os descontos milionários são necessários para facilitar o acesso ao automóvel para a população mais pobre, já que os preços estavam muito altos. De fato, um estudo da consultoria Jato Dynamics mostra que o preço médio de um carro no país aumentou cerca de 90% nos últimos cinco anos.

Esse aumento foi impulsionado por fatores externos (como instabilidade da cadeia de suprimentos e escassez de semicondutores durante a pandemia de Covid-19) e fatores internos, incluindo o aumento da inflação durante esse período.

álcool ou gasolina.

Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), 83% dos veículos novos vendidos no Brasil têm motor flex. Com um cenário favorável para a gasolina em vários pontos do país (já que, em média, seu preço por quilômetro rodado costuma ser menor que o do etanol), corre-se o risco de aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2). 

Só em 2021, o setor de energia, ao qual pertence o transporte, emitiu 393.705.260 toneladas de CO2, segundo o Observatório do Clima , rede de entidades que trabalham com o tema. Esse número representa 18% das emissões do país. Quase a metade, 180 milhões de toneladas, vem exclusivamente da queima de combustíveis em veículos como carros, ônibus e caminhões.

"Dificilmente o carro será ecológico em seu uso", argumenta Marcio Dagosto, professor de engenharia de transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos coautores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) no setor. "Nada garante que o consumidor vá optar pelo etanol em vez da gasolina", acrescenta.

O cenário é favorável para a gasolina em várias partes do Brasil - em média, seu preço por quilômetro rodado costuma ser inferior ao do etanol. foto: Agência Brasil - M. Camargo.

Se, nesse cenário, focassem na substituição do uso da gasolina pelo etanol, haveria uma vantagem em termos de menor emissão de gás carbônico. Dagosto explica que o etanol, quando queimado, produz praticamente a mesma quantidade de CO2 que a cana capturou durante seu crescimento.

No último relatório da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), entre os dias 4 e 10 de junho, o preço médio do etanol vendido no Brasil foi de R$ 3,80 o litro, enquanto o da gasolina foi de R$ 5,42.

Nessa média de preços, um carro popular movido a gasolina gastaria R$ 0,30 para percorrer 1 quilômetro. Com etanol, o preço seria o mesmo por quilômetro.

Os preços dos combustíveis variam frequentemente. Muitas vezes, a gasolina é mais conveniente financeiramente. Há também variações por região.

Segundo o último relatório da ANP, no Nordeste do Brasil, por exemplo, o etanol custa R$ 4,32 o litro, valor que o torna menos competitivo em relação à gasolina, que é vendida na região por R$ 5,37. 

Dagosto destaca ainda que a queima do biocombustível emite gases poluentes na atmosfera, como metano e óxido nitroso “Se você usar esse veículo em cidades com alta densidade populacional, as pessoas ficarão expostas a essa poluição”, afirma.

São Paulo, Brasil. Foto: Por Leandro Centomo - Flickr, Domínio Público, via Wikimedia Commons

Segundo o gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), David Tsai, um dos motivos pelos quais as cidades brasileiras não cumprem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) são os poluentes emitidos pelos carros. 

A média anual de óxido nitroso não deve ultrapassar 10 microgramas por metro cúbico (µg/m3), conforme orientações do órgão. As medidas também limitam as quantidades de partículas aerotransportadas de diferentes tamanhos (PM2,5 e 10).

Um estudo do IEMA em 2022 analisou a evolução anual das concentrações desses poluentes na cidade de São Paulo. Em alguns pontos, o número chegou a ser cinco vezes maior do que o recomendado, como na Marginal Tietê, uma das vias mais movimentadas da cidade.

Poluentes como material particulado, ozônio e dióxido de nitrogênio são responsáveis ​​por doenças respiratórias e cardiovasculares, causando a morte de aproximadamente 7 milhões de pessoas no mundo, segundo a OMS.

Segundo Dagosto, “ o carro é essencialmente um desperdício Consome uma quantidade de energia e emite uma quantidade de poluentes desproporcional à capacidade de transporte que oferece”.

Transporte público como solução. 

Na avaliação do professor, no patamar de prioridade do governo, o carro deveria ficar depois do transporte público. “Mesmo com descontos patrocinados pelo governo, os mais pobres ainda vão usar ônibus”, diz ele. 

A melhoria do transporte público é a melhor medida para mitigar a crise climática no Brasil , segundo o especialista. "Melhor até do que substituir a atual frota de carros por veículos elétricos."

Segundo Dagosto, algumas medidas podem incluir a criação de faixas rápidas e exclusivas para ônibus, aumentando a velocidade dos deslocamentos, além de renovar os veículos e aumentar a frequência.

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