Enquanto iniciava seu processo de transição de gênero, em 2018, antes mesmo de mudar seu antigo nome masculino e adotar para o qual se sentia em sintonia com sua identidade de gênero, Jade Oliveira conseguiu emprego como vendedora numa loja de Vitória da Conquista. Ela informou a seus empregadores sobre as mudanças pelas quais estava passando. No entanto, ouviu deles algo que não queria.
“Eu estava no início da transição, e já com planos de fazer a alteração do nome e começar o processo hormonal. Quando eu falei para a empresa que eu estava nesse início de transição, ela não me deixou escolha. Falou que, se eu quisesse continuar trabalhando, teria que seguir as normas heteronormativas da sociedade”, recordou Jade na manhã desta quinta-feira (10), quando participou da roda de conversa promovida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semdes), por meio da Coordenação de Políticas LGBT, com o tema “A mulher trans e travestis e suas relações de trabalho”.
A atividade faz parte da programação do Março Mulher, que, neste ano, traz o tema “Mulher, nossa referência”. Segundo coordenador de Políticas LGBT, José Mário Barbosa, a inclusão da pauta da visibilidade trans tem o objetivo de apresentar as mulheres trans e travestis de Vitória da Conquista, a fim de que elas tenham acesso a oportunidades e respeito a seus direitos. “Decidimos que este evento seria realizado dentro da pauta Março Mulher para entender a transfeminilidade no recorte trans mulher e trans travestis”, explicou José Mário.
No caso de Jade, ela não pôde desfrutar dessas duas conquistas ao mesmo tempo: acesso a oportunidades e direitos respeitados. O acesso à oportunidade, que era o emprego, só lhe foi possível com a exclusão do direito, que era se apresentar no gênero feminino, com o qual ela realmente se identifica.
Devido à postura da empresa, ela teve de escolher entre manter seu salário, apresentando-se com um nome e um vestuário que já não condiziam com sua personalidade ou continuar a transição, mas perder a garantia de uma renda mensal. Ela optou pela primeira opção, e, por isso, teve de esperar um pouco mais para ser de fato quem era.
Assim, Jade se viu na mesma situação em que se encontram a grande maioria das mulheres trans, que não conseguem encontrar trabalho no mercado local. “Eu sou a única mulher trans que eu conheço trabalhando formalmente. E isso, para mim, não é motivo de comemoração”, afirmou Jade. “Só de pensar que a única possibilidade que existe para as mulheres trans e travestis é a prostituição, isso deixa a gente muito triste, porque a maioria não está por opção. É porque não tem oportunidades”.
Presente à roda de conversa, o secretário municipal de Desenvolvimento Social, Michael Farias lamentou a discriminação que ainda existe com relação às mulheres trans e travestis, principalmente em Vitória da Conquista. “Como tornar visíveis aqueles que historicamente foram invisibilizados?”, questionou Farias.
“A gestão pública nos traz desafios diários, e a gente precisa enfrentá-los. E o preconceito vem junto com esses desafios”, disse o secretário, que destacou o compromisso do Governo Municipal com a superação de uma realidade na qual, conforme ele próprio definiu, “em pleno século 21, a violência e o silêncio prevalecem”.
Segundo o coordenador José Mário Barbosa, existe em Vitória da Conquista um grupo de, aproximadamente, 45 mulheres travestis e 30 mulheres trans, que enfrentam grandes dificuldades para encontrar vaga no mercado de trabalho formal da cidade. Esse público é acompanhado pelo Governo Municipal, que oferece atendimento psicológico e jurídico, além de tentar viabilizar o encaminhamento profissional.
A empresária Camila Araújo, convidada a conversar com o público da roda de conversa desta quinta-feira, é também a atual patroa de Jade. Inclusive, Camila forneceu à nova funcionária o auxílio para a retificação do nome. “Só posso dizer que ela é uma das melhores colaboradoras que eu tenho”, reconhece Camila. A empresária diz esperar que outros empreendedores abram espaço para que o público de mulheres trans e travestis possa ter oportunidades de trabalho. “Se eu pudesse ter uma equipe toda de trans, para mim seria excelente”, resumiu.
Quanto a Jade, agora ela pode exercer livremente sua feminilidade. “Só agora que eu consegui fazer a troca de nome e começar o processo hormonal. E estou com acompanhamento médico e psicológico”, contou.
As atividades sobre visibilidade trans continuam ao longo da semana. Nesta sexta-feira, das 8h às 12h, será realizada uma oficina sobre o tema “Visibilidade trans: reconhecendo a identidade de gênero”, com servidores da Guarda Municipal de Vitória da Conquista, será na Rede de Atenção à Criança e ao Adolescente (o mesmo local onde ocorreu a roda de conversa de hoje).
No dia 16 de março, das 8h às 17h, no auditório da Prefeitura da Zona Oeste, haverá um mutirão “Meu nome, minha identidade” sobre a retificação de nome civil. Por fim, no dia 17, na Área de Convivência do Senac, a programação se encerra com a “Trans Fashion”, atividade realizada em parceria com a ONG Autoestima e o Senac.
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