Na reportagem, entenda como funcionam os créditos de países europeus para beneficiar as comunidades tradicionais da floresta no estado
A presença de representantes de bancos de fomento dos governos da Alemanha e do Reino Unido no Acre, desde a última quarta-feira, 22, até a próxima terça-feira, 28, para supervisionar convênios de cooperação de compra de créditos de carbono, reacende a curiosidade de muitos acreanos sobre como todo esse processo funciona na prática.
Para entender melhor como acontece essa transação tão importante para o bem-estar econômico e social dos povos da floresta, é preciso primeiro destacar que, aos olhos da comunidade internacional, a atual gestão do governador Gladson Cameli tem sido exemplar no desempenho do cumprimento de metas e de alocação de recursos de crédito de carbono no país para fins de preservação e conciliação do agronegócio com o uso sustentável da Floresta Amazônica.
Como prova disso está o cenário de que o Acre foi, ao lado do Maranhão, o que menos desmatou em maio de 2022, em relação a maio de 2021, um aumento de apenas 3%, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento.
Voltando ao tema, o programa chama-se REM e tem essa nomenclatura diferente porque é a abreviação de Redd Early Movers (REM), sendo Redd a sigla em português para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, e as duas últimas palavras: Early Movers, em inglês, significando ‘pioneiros’. Ou seja, trata-se de um programa de preservação patrocinado por empresas europeias que são pioneiras na oferta de recursos visando à redução de agravos na floresta por meio da compra de créditos de carbono.
A primeira fase do Programa REM no Acre começou em 2013 e terminou em 2017. Atualmente, ele está na segunda fase, iniciada em 2018 com final previsto para 2023, já que a pandemia de covid-19 não permitiu seu desfecho este ano.
Nesta fase 2 do programa, R$ 81 milhões foram recebidos pelo estado, dos quais R$ 60 milhões já foram comprometidos com investimentos nas comunidades da floresta atendidas pelas atividades do REM. Outros R$ 50 milhões ainda faltam ser repassados pelos doadores internacionais.
Segundo explica Roseneide Sena, coordenadora-geral do Programa REM no Acre, o esforço da atual administração Gladson Cameli tem permitido que 70% de todos os recursos destinados ao estado sejam aplicados nas comunidades que são beneficiárias. Os outros 30% são aplicados no Fortalecimento do Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (Sisa).
“Para entender melhor, nós estamos em meio a uma crise climática e foi quando os nossos parceiros dos grandes países poluidores nos perceberam. Eles disseram: ‘Opa! Ali naquela região, no estado do Acre, em meio a todo esse problema do clima, nós temos um estoque [de carbono], um repositório lá que eles fizeram o esforço de tê-lo por conta própria’. E esse esforço, então, se converte em um volume de crédito, porque ao longo de um tempo eu desmatei muito, mas, posteriormente, num outro momento, eu também reduzi esse desmatamento”, pontua a coordenadora.
Então, esse intervalo do passado, em que o Acre deixou de desmatar, gerou estoque ou crédito de carbono. “Esse estoque, então, já que ele tem um valor econômico, foi negociado entre o estado do Acre e a Alemanha”, destaca Sena.
Tanto a Alemanha quanto a Inglaterra procuraram o Acre com o seu programa de pioneiros. Além do Acre, no Brasil, apenas o estado do Mato Grosso é contemplado com esse programa, que na América Latina também já foi instituído na Colômbia e no Equador.
“Eles têm uma estrutura pela qual procuram, em todos os países, quem é que tem estoque para ofertar para eles. A Alemanha, por exemplo, é uma grande potência industrial. Então, ela tem a sua base de produção controlada, e aí precisa fazer essas compensações”, destaca a coordenadora-geral do Programa REM, Rosineide Sena.
No caso da Alemanha, o Banco KfW, análogo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social aqui no Brasil, é quem organiza e monetiza o sistema financeiro dos ativos ambientais.
“Então, o KfW veio ao Acre e nos inseriu nesta monetização, mas veja que não somos nós que controlamos essa contabilização. Ela não é do Acre, mas tem uma instância nacional que controla. Nós apenas passamos por essas auditagens, por verificações, como a que está sendo realizada neste momento. Isso tudo é um processo muito confiável”, afirma Roseneide Sena.
Todas as informações vão para o repositório nacional em forma de ‘hub’, uma espécie de central de dados hospedada no sistema eletrônico do Ministério do Meio Ambiente (MMA) em Brasília . Ali, fica tudo registrado sobre o grau de desmatamento e degradação da floresta e muitos outros dados. O país doador vai lá, acessa e observa quanto há de toneladas de carbono para negociar. E todas as demais nações desenvolvidas que participam do Programa REM podem acessar o hub do MMA e vir até o Acre para premiá-lo.
Uma das vantagens do REM é que ele possibilita a repartição dos benefícios. O dinheiro não vem para o estado, mas para manter os esforços que o governo já fez por conta própria. As famílias beneficiadas concentram-se em quase todo o território acreano, sendo a maioria residente em áreas ribeirinhas e reservas florestais e 70% dos recursos do REM precisam ser aplicados em duas frentes.
A primeira é chamada de ‘estoque’, da qual fazem parte os povos que preservam as áreas de floresta: comunidades tradicionais, extrativistas, seringueiros e indígenas. A segunda é conhecida por ‘fluxo’, e pertencem a essa categoria os donos de pequenas e médias propriedades, muitas delas relacionadas à pecuária.
O REM atua com criadores de gado que têm pasto, mas de pecuária sustentável, que não desmatam mais para abrir novos campos para pastagens, e que também não queimam. Nesse escopo, estão mais de 2 mil famílias, incluindo os integrantes do Programa da Agricultura Familiar.
“No universo que é o estado do Acre, o REM é uma partícula minúscula, mas é extremamente necessário”, afirma Elza Mendoza, consultora internacional do Programa REM. “Hoje nós temos 200 famílias de coletadores de murmuru [semente de uma palmeira da Amazônia] e outras 900 famílias que fazem o beneficiamento da borracha”, explica Mendoza.
Todas essas pessoas recebem do programa uma complementação pelo trabalho. Com relação ao cernambi virgem prensado (CVP), como é chamado o coágulo de borracha produzido diariamente, o Programa REM paga R$ 1,30 no quilo. Já para o beneficiamento do CVP nativo, o valor é maior: R$ 2,30 pagos por quilo. Pelo quilo do murmuru, é pago R$ 1.
Nas áreas indígenas, o programa contempla ainda 140 agentes indígenas com bolsas que variam entre R$ 500 e R$ 800. Essas pessoas são responsáveis pelo monitoramento da região onde vivem, salvaguardando da degradação e do desmatamento, e informando aos técnicos do programa a situação em suas áreas, se de normalidade ou não.
Até o final de 2021, o REM havia pago subsídios pela produção de 462 toneladas de borracha e murmuru, estimulando a continuidade das cadeias produtivas sustentáveis. À época, os pagamentos somavam o montante de R$ 3,1 milhões, beneficiando 965 extrativistas.
A medida atende ao cumprimento da Lei 1.277/1999, e funciona como incentivo para famílias cuja principal fonte de renda é o extrativismo, aliada à política de preservação e conservação da floresta. O apoio financeiro é do Programa REM na Fase 2, com iniciativa coordenada pela Secretaria de Estado de Produção e Agronegócio.
Para a coordenadora-geral do Programa REM no Acre, os recursos originários dos grandes países industrializados nunca serão o suficiente para que as instituições deem conta dos níveis de desmatamento.
“Mas esse também não é o único elemento de recurso que deve ser empregado no estado. Essa não é a única frente. A gente precisa mobilizar outras, inclusive reforçando e alinhando essa parceria com o governo federal, que é o que o estado do Acre tem feito, chamando o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] e o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]”, assevera Roseneide Sena.
“E uma coisa que é importante mencionar é que o Acre, hoje, tem instrumentos, informações e dados suficientes para uma estratégia estadual de controle, não só do desmatamento, mas de toda a gestão dos seus ativos ambientais e do geoprocessamento de dados. Só precisamos, agora, que isso seja uma política estratégica de gestão”, completa a especialista.
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