Talvez poucos saibam da sua luta para alcançar o reconhecimento desejado no – às vezes dificílimo – caminho da música. Mas nada o impediu de transitar e fazer sucesso. Águas do São Francisco, Cometa Mambembe marcaram sua produção, mas “Todos os Caminhos Passam em Feira de Santana” parece significar a marca de uma dolorosa despedida da terra que sempre esteve no seu coração.
“Todos os caminhos levam a Feira de Santana / o bem e o mal passam em Feira de Santana / o rio que vai pro mar passa em Feira de Santana / o forró de Dominguinhos passa em Feira de Santana...” Quem disse isso, num melodioso xote, já não está entre nós. O cantor e compositor feirense Carlos Pitta, também autor de Águas do São Francisco, Cometa Mambembe, e vários outros sucessos, em mais de 40 anos de carreira, faleceu no dia 7 deste mês, aos 69 anos de idade, no Hospital Roberto Santos, em Salvador, onde estava internado devido a complicações causadas pela diabetes.
Desde criança, Carlos Pitta, que era filho do médico Otto Schmidt, demonstrava uma sólida predileção pela música e pela comunicação, o que desagradava o pai, que queria vê-lo médico. Com cerca de sete anos, Carlos participava de programas infantis realizados pela professora de música e pianista Alcina Dantas, oriunda de Itaberaba e que, aos domingos pela manhã, realizava na extinta Rádio Cultura (ZYN-24 Onda Média), que hoje corresponde à Amplitude Modulada – AM, o programa infantil Brasil de Amanhã, revelador de muitos valores para o rádio profissional. Dedicado à cultura, Pitta integrou o forte movimento teatral da cidade em peças dirigidas pelo falecido Geraldo Lima, como cantor e, até então, assinava como Carlos Piter, mudando para Pitta, sem explicações.
Totalmente voltado para o que pretendia, rapidamente aprendeu a tocar violão e, no surgimento da Jovem Guarda, deixou o cabelo crescer, aparecendo em eventos para os quais era convidado, interpretando sucessos de Roberto Carlos e Paulo Sérgio, iniciando assim sua futura carreira no mundo musical. Durante algum tempo, atuou como repórter da sucursal do Jornal da Bahia em Feira de Santana, ao lado dos jornalistas Socorro Pitombo (falecida) e Wilson Mário Pinheiro, que ressalta a qualidade do seu texto: “Pitta fez alguns trabalhos brilhantes, a exemplo de uma reportagem sobre um luthier feirense que fabricava violinos exportados para países da Europa.” Wilson Mário destaca o empenho de Pitta para alcançar sucesso na vida. Ele fez jornalismo e regência musical na UFBA, em Salvador, enfrentando dificuldades pela adversidade de escolhas com o pai.
A partir de meados da década de 1970, Carlos Pitta, embora com sacrifício, como às vezes comentava, ingressou com decisão no meio musical. O maestro Israel Exalto, que havia criado a banda de rock IsraelStones, lembra: “Pitta aparecia sempre nos ensaios e às vezes dava uma canja. Era uma pessoa muito educada e demonstrava claramente o desejo de crescer musicalmente.”
De fácil comunicação, Carlos Pitta fez muitas amizades e construiu parcerias importantes com compositores como José Carlos Capinam, Beto Pitombo, Gereba, Grupo Bendengó, Paulinho Boca de Cantor, Silvestre Sobrinho, Salgado Maranhão, Galvão, Cacaso, Fernando Oliveira, Xangai, Elomar e outros artistas. Nos anos 70, ao lançar o elepê Águas do São Francisco, obteve consagradora crítica da imprensa especializada e dos profissionais de rádio. Coração de Índio, Brisa, Lenda do Pássaro, Sete Luas, Tapete Mágico, Feliz, Dias de Luz, Dançando Forró e Cometa Mambembe (esta em parceria com Edmundo Carôso, que durante algum tempo morou em Feira de Santana) foram seus grandes hits.
Com um horizonte musical de muitas vertentes, ele caminhou por várias trilhas musicais com êxito, mas nunca esqueceu suas origens, criado no meio da maior feira-livre do Brasil, entre violeiros, cordelistas, sanfoneiros, zabumbeiros e ouvindo o aboio dos vaqueiros condutores das enormes boiadas que chegavam a Feira de Santana. Talvez, por isso, sem esquecer outros cenários, balançou-se na imaginária rede da saudade, trançada pelo coração, para cantar doloridamente que “o bem e o mal passam em Feira de Santana”. E, como diz o experiente jornalista Wilson Mário Pinheiro, a cidade precisa reconhecer o valor de Pitta, que teve obras musicais gravadas por artistas como Elba Ramalho, Alcione, Daniela Mercury e os grupos Cheiro de Amor e Banda Mel.
“A música era minha linguagem, era a minha forma de comunicação com o mundo. Desde cedo eu passei a falar com o mundo, através da música.” Essa mensagem deixada por Pitta retrata sua vida, com absoluta verdade. Embora outros caminhos se abrissem, ele escolheu, talvez, o mais difícil, devido à posição contrária do pai, mas era o que ele queria e conseguiu. Todos os caminhos agora levam à sua lembrança, e Feira de Santana precisa de alguma forma reconhecer a sua importância.
Por Zadir Marques Porto
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