Valorizar a experiência de vida dos alunos, sobretudo dos adultos, na medida em que elas são ricas em conhecimentos prévios que podem ser utilizados como ponto de partida para o ensino: essa tem sido uma das premissas para a política de alfabetização do governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE).
E é exatamente o que vem acontecendo dentro do programa Alfabetiza Acre/EJA, lançado no último mês de maio pelo governo do Estado, em parceria com o governo federal. O programa já chegou a mais de 2,4 mil alunos em todo o estado, distribuídos em 192 turmas.
Uma dessas turmas está localizada na escola Cristina Maia, no bairro Cidade do Povo, onde as professoras Zulene Sales Souza e Francisca Sandra Rodrigues da Silva são responsáveis pela alfabetização de pelo menos 36 alunos, na maioria idosos que possuem histórias de superação e aprendizado.
Em todo o estado, de acordo com dados do Ministério da Educação (MEC), o Acre possui em torno de 70 mil analfabetos, tornando o processo de alfabetização um desafio para o governo. “Vamos erradicar o analfabetismo em nosso estado e isso é um compromisso do nosso governo”, afirma o secretário de Educação, Aberson Carvalho.
Na turma da escola Cristina Maia, as histórias de vida e superação se multiplicam. Na maioria dos casos, as pessoas nasceram e viveram boa parte da vida nos seringais e não tiveram a oportunidade de estudar quando jovem. De acordo com a professora Zulene Sales, a maioria já consegue ler e assinar o nome.
“É a primeira vez que trabalho como alfabetizadora. Antes, eu era mediadora, mas tem sido muito gratificante. Aqui, com esses alunos especiais, eu consigo tirar todo o meu estresse. Para você ter uma ideia, antes eu pegava nas mãos deles para escrever, mas agora não pego mais”, conta.
A professora Francisca Sandra trabalhava com o 4° ano do ensino fundamental, anos iniciais, na escola Cristina Maia. Para ela, tem sido uma experiência maravilhosa trabalhar com adultos. “Eu é que tenho a oportunidade de aprender com eles”, afirma.
Para quem pensa que os sonhos morrem está enganado. Marina Leandro de França, em seus 70 anos, é um exemplo de vida. Ainda aprendendo as primeiras letras no programa Alfabetiza Acre/EJA, seu sonho é se tornar enfermeira e realizar partos.
Na Cidade do Povo ela mora há 10 anos, mas nasceu e passou parte da infância no seringal Cametá, ao longo do Rio Purus. Os pais faleceram quando ela tinha sete anos de idade e não teve mais tempo para estudar. Foi cortar seringa e trabalhar na roça para poder sobreviver.
Depois, veio o casamento e teve que cuidar da casa e dos filhos. Também sobrevivia da pesca. “Hoje eu já sei fazer o meu nome, vou tirar a minha identidade e quero continuar estudando, meu sonho é fazer uma faculdade, quero fazer enfermagem e ser parteira”, diz.
A exemplo de Marina Leandro, Maria José Martins é outra aluna do programa Alfabetiza Acre/EJA. No bairro Cidade do Povo ela mora há nove anos e, da mesma forma, está aproveitando a oportunidade de estudar, de aprender a ler e escrever.
Ela também nasceu em um seringal, só que no Itamaraty, localizado ao longo do Rio Abunã, só que do lado boliviano. Teve que se casar cedo, aos 18 anos de idade e, após o falecimento do marido, teve que criar sozinha nada menos do que 6 filhos e 4 netos.
“Eu me sinto muito feliz e alegre. A professora é muito paciente com a gente, tanto que já aprendi a escrever o meu nome e já até tirei a carteira de identidade com a minha própria assinatura e isso é muito gratificante”, explica.
Para Deuzuite Galdino Ferreira, o seu maior desejo é conseguir pegar um ônibus sozinha, lendo o nome do bairro ao qual pretende ir. Assim como os demais da sua turma, ela também não teve a oportunidade de estudar quando era mais jovem.
Nasceu no seringal Tabocal, no Rio Tarauacá, já próximo ao que hoje é o município do Jordão. Lá, ela conta, não tinha escola, não tinha nada. Com o falecimento dos pais foi obrigada a ir para Tarauacá, onde casou aos 17 anos. Foi trabalhar de doméstica. Com o falecimento do marido, veio para Rio Branco.
“Agora é que estou tendo a oportunidade de estudar. Já assinei até a minha identidade e meu próximo passo, meu próximo desejo, é pegar um ônibus sozinha, por isso pretendo continuar estudando para aprender ainda mais”, afirma.
Já a aposentada Maria Olívia da Costa diz que vai tirar a nova carteira de identidade, já assinada por ela, e que seu sonho é ler a bíblia. Mas, ao contrário de Deuzuite Galdino, já consegue pegar o ônibus sozinha sem a ajuda de terceiros.
Maria Olívia não teve vida fácil. Quando o pai e a mãe faleceram em Pauini, no interior do Amazonas, ela foi trabalhar em uma casa de família onde lavava e cozinhava. Devido aos maus tratos da patroa, fugiu aos 15 anos, quando se casou e foi morar em Manoel Urbano, onde chegou a conseguir uma casa para morar.
“Agora eu tive essa chance de estudar. A nossa professora é maravilhosa. Eu já até consigo assinar o meu nome e até já pego o ônibus sozinha. Meu sonho agora é continuar os estudos e, se Deus quiser, ler a bíblia também”, relata.
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