Além de ser um forte aliado do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, o trabalho de reciclagem de materiais é símbolo de dignidade e empoderamento na vida de milhares de mulheres mineiras. Essas mulheres, muitas vezes chefes de família, compartilham histórias inspiradoras de cuidado com o meio ambiente e demonstração de força.
Valorizando cada uma dessas histórias, há cinco anos o Governo de Minas conseguiu regularizar o pagamento do Bolsa Reciclagem às associações e cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis, além de se empenhar a cada ano na promoção de políticas públicas e parcerias, como o ReciclaBelô, realizado no último carnaval em Belo Horizonte, e a reabertura do Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), também na capital mineira.
Uma pesquisa realizada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) , em dezembro de 2022, mostrou que de 46 organizações cadastradas no programa Bolsa Reciclagem, 80% tinham mulheres como representantes legais.
Apesar de o índice levar em conta somente as lideranças nas cooperativas, algumas visitas aos galpões são suficientes para perceber que a grande maioria dos trabalhadores ali empenhados são mulheres.
É o que confirma a presidente e co-fundadora da Cooperativa Solidária dos Recicladores e Grupos Produtivos do Barreiro e Região (Coopersoli-Barreiro), Silvana Maria Leal, de 64 anos.
“Faço parte dessa cooperativa desde 2003. Estamos aqui juntas, a maioria mulheres, mães de família. Viemos para esse galpão sonhando que aqui a gente poderia ter uma vida digna e criar nossos filhos”, conta.
Fazer parte de um grupo solidário proporcionou a ela a possibilidade de conciliar o trabalho com a maternidade, devido à flexibilidade de horário, algo difícil de se ter no mercado de trabalho convencional.
"Tenho duas filhas e, quando iniciei na reciclagem, elas eram muito pequenas. Por isso, eu teria que trabalhar só meio horário. Tinha a necessidade de criar alguma coisa que gerasse renda e a reciclagem me deu a oportunidade de dar uma vida digna às minhas filhas. E isso só foi possível porque eu faço parte de uma cooperativa. Penso que se eu estivesse numa empresa, não teria essa oportunidade de trabalho em meio período, porque o restante do dia eu tinha que dedicar às minhas meninas", relata.
Conceição Lina Viana, de 64 anos, também da Coopersoli Barreiro, compartilha da mesma visão e ressalta o companheirismo entre as mulheres no galpão.
"A gente tem uma relação de amizade. Uma vai ajudando a outra. Ninguém puxa peso sozinha porque, se tiver que puxar, uma chama a outra. Se tiver algum problema, resolvemos na conversa. É muito difícil ter uma briga. Eu gosto de levantar e saber que eu tenho para onde vir e que enquanto a gente está trabalhando, está ajudando o meio ambiente, tirando essa quantidade de lixo das ruas", pontua.
Bolsa Reciclagem
Com o trabalho na cooperativa e auxílio do Bolsa Reciclagem, Conceição conta que conseguiu comprar um apartamento no bairro Mangueiras, na região do Barreiro, e ajudou a filha a pagar a faculdade de Fisioterapia.
“Minha filha conseguiu se formar. Recentemente teve um bebê e agora sou avó. Está tudo encaminhado nas nossas vidas. Hoje em dia, quando chega o 13º do Bolsa Reciclagem, a gente até consegue dar uma saidinha, fazer uma viagem”, comenta.
O Bolsa Reciclagem é uma iniciativa de pagamento por serviços ambientais pioneira no Brasil. Além de garantir o desenvolvimento sustentável, por meio da gestão adequada de resíduos sólidos, o benefício proporciona uma melhoria das condições sociais e econômicas das pessoas que trabalham com a coleta seletiva no estado.
O programa existe desde 2012, mas foi em 2019 que os repasses foram regularizados pelo Governo de Minas. Desde então, o valor total repassado para as organizações de catadores foi de R$ 16.166.265,52.
Neste mesmo período, a quantidade total de materiais recicláveis recuperados corresponde a 195.854,51 toneladas. O programa tem contemplado, em média, cerca de 84 associações e cooperativas de catadores e beneficiado cerca de 1.580 catadores a cada trimestre.
Mãe e filha juntas na reciclagem
Mulheres que chegam à Cooperativa dos Trabalhadores e Grupos Produtivos da Região Leste (Coopesol-Leste) logo são inspiradas pela demonstração de força e companheirismo de Vilma da Silva Estevam, de 56 anos, e Thaís Silva, de 40. A reciclagem surgiu na vida de mãe e filha como uma surpresa e hoje elas coordenam todo o trabalho no galpão.
Vilma é presidente da Coopesol e conta que o trabalho de mobilização para criação da cooperativa começou há 21 anos. "Eu estava afastada do mercado de trabalho porque no meu trabalho anterior adquiri lesões por esforços repetitivos. Então, quando entrei para a reciclagem, comecei a adquirir experiência na parte da organização e coordenação. Eu não tinha muito conhecimento, mas fui me dedicando e conhecendo cada material. Nos articulamos e conseguimos um local para trabalhar. Foi uma luta muito grande", conta.
A filha Thaís foi trabalhar com a mãe após passar por uma separação conjugal. Ela diz que nunca tinha se imaginado trabalhando com recicláveis, mas que se encontrou nesse meio.
"Eu já estava fora do mercado de trabalho há um tempo e pedi uma vaga para minha mãe, sem experiência nenhuma na reciclagem. Comecei na separação de material, depois consegui uma vaga no administrativo. Já estou aqui há sete anos do lado dela. Nesse período, consegui terminar meu 3º ano e hoje faço faculdade de Direito. É uma conquista dela também. A gente vê a luta que ela tem e os caminhos que abriu", conta.
Colega das duas no galpão da Coopesol Leste, Raquel Severino dos Santos, de 37 anos, conta que também estava há algum tempo fora do mercado de trabalho e hoje consegue seu sustento com o trabalho na cooperativa.
"Eu estava desempregada e conheci a dona Vilma. Tenho quatro filhos - três meus e um sobrinho, do qual tenho a guarda. Com o dinheiro daqui, sustento minha casa. Meu marido também trabalha aqui. O Bolsa Reciclagem nos ajudou bastante a dar entrada na minha casa própria", conta.
ReciclaBelô
Neste ano de 2024, o Carnaval de Belo Horizonte ficou ainda mais sustentável e rentável, com a participação dos catadores e catadoras do ReciclaBelô, programa de reciclagem popular do carnaval de BH.
Realizado por cooperativas de catadores de materiais recicláveis da capital, a iniciativa este ano teve a parceria do Governo de Minas e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Durante os quatro dias de folia, foram quase 30 toneladas de materiais coletados pelos trabalhadores, que foram remunerados pelos serviços ambientais prestados.
Ao todo, 240 catadores foram atendidos nas três centrais de reciclagem disponíveis em diferentes regiões de Belo Horizonte, como Centro, Savassi e Santa Tereza. Foram apurados 29.726,2 quilos de materiais coletados em cerca de 130 blocos espalhados pela capital mineira.
Os trabalhadores que atuaram no programa receberam equipamentos de proteção individual (EPIs), camisa, protetor solar com repelente, capa de chuva, tênis, chapéu e mochila-saco para armazenamento dos pertences.
Os catadores e catadoras que participaram do ReciclaBelô receberam uma diária de R$ 150 pelos serviços ambientais prestados, além da quantia referente ao material recolhido. Ao todo, foram repassados mais de R$ 110 mil entre diárias de serviço e remuneração, o que equivale a uma média de cerca de R$ 466 pagos aos 240 participantes do projeto.
"Para nós foi uma surpresa muito gratificante ver o Estado se envolvendo na coleta seletiva do município. Fiquei muito feliz em ver mais essa oportunidade dada aos catadores. Foi muito importante garantir uma renda para as pessoas que participaram desse programa. Muitas pessoas que participaram estão em situação de rua, então poder garantir esse ganho de quatro dias foi muito positivo. E a maioria foi de mulheres. Eu vi mulheres trabalhando com um sorriso no rosto, parecendo que estavam desfilando", conta Vilma.
Atividades no CMRR
Um dos principais pontos de apoio do projeto ReciclaBelô, o Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), reinaugurado em 2022, promove a articulação entre os setores público, privado, terceiro setor, comunidade acadêmica e sociedade civil na busca por alternativas de transformar resíduos em oportunidades de trabalho, renda e preservação dos recursos naturais.
O subsecretário de saneamento, Anderson Diniz, destaca que a retomada das atividades no local é uma das prioridades da atual gestão. “Estamos finalizando um planejamento das ações de longo, médio e curto prazo que serão desenvolvidas no espaço e pela equipe técnica do CMRR. Essas ações serão possíveis a partir de importantes parcerias que estamos firmando”, planeja.
Algumas das ações previstas são cursos de formação para catadores; curso de formação para gestores públicos municipais sobre gerenciamento de resíduos sólidos; curso de formação de costura com foco no reaproveitamento de resíduos têxteis; curso de gastronomia; e implementação de pontos de coleta no CMRR para diversas cadeias de resíduos, como embalagens em geral, pilhas e baterias, eletroeletrônicos, lâmpadas, e óleo comestível pós consumo. Para todos os cursos de formação, a ideia é iniciar com projetos pilotos em Belo Horizonte e região metropolitana, e expandir gradualmente para outras regiões do estado.
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