A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) publicou duas novas coleções com centenas de documentos de interesse público no Pinpoint, ferramenta do Google. A primeira delas traz 73.644 documentos de prestações de contas eleitorais — de deputados federais, senadores, governadores e presidente eleitos, além dos candidatos que disputaram o segundo turno nestas eleições. A outra coleção tem 743 arquivos com transcrições de áudios de vídeos dos canais do presidente eleito Lula (PT), do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nestas eleições, e dos canais de seus partidos.
Para chegar aos documentos das prestações de contas, a equipe da Abraji acessou esta página do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e baixou as planilhas que estão no ícone “Candidatos”. Depois, a equipe abriu o arquivo “consulta_cand_2022_BRASIL” e filtrou a coluna de cargos. Em seguida, o filtro foi feito na coluna “DS_SIT_TOT_TURNO”, com a seleção dos seguintes casos: eleito, eleito por média, eleito por QP e 2º turno. Com isso, chega-se a 581 nomes. O próximo passo foi acessar o Processo de Prestação de Contas de cada um dos candidatos, disponível nos perfis dos políticos no DivulgaCand. Para automatizar o download dos documentos, foi usada a extensão DownThemAll! Disponível na loja do Chrome.
As prestações de contas contêm todos os documentos enviados pelos candidatos ao TSE, detalhando os recursos recebidos e as despesas de campanha. No entanto, é importante frisar que os políticos ainda não terminaram de prestar contas. Dessa forma, algumas prestações já trazem mais informações que outras.
Entre os documentos disponíveis, é possível encontrar dados sobre fornecedores de campanha e valores cobrados pelos serviços; notas fiscais; contratos; doadores; receitas decorrentes de financiamento coletivo – detalhadas com nome do doador, valor, data e forma de pagamento; sobras de campanha e trocas de e-mail com instituições financeiras.
Ao pesquisar por “Relatório de Despesas Efetuadas” “Jair Messias Bolsonaro”, o Pinpoint retorna dois documentos. Neste, consta a prestação parcial de contas do presidente. Um dos fornecedores é a Soundview Tecnologia, que foi contratada por pouco mais de R$ 500 mil para fazer “serviços de checking de TV e rádio”. Parte do pagamento foi realizada em 31.ago.2022. Ou seja, cinco dias depois do início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.
No entanto, o nome da empresa não é citado pela campanha de Bolsonaro no processo do TSE relacionado ao episódio do suposto boicote de veiculação de propaganda de Bolsonaro em rádios das regiões Norte e Nordeste. Por outro lado, a empresa foi citada em um tuíte do coordenador de Comunicação da campanha de Jair Bolsonaro, Fabio Wajngarten. Os documentos apresentados pela coligação ao TSE mencionam somente a empresa Audiency Brasil Tecnologia. Segundo os advogados de Bolsonaro, a empresa teria sido contratada pela campanha e identificado as supostas falhas das rádios. No entanto, a Audiency (CNPJ 37.979.367/0001–09) não aparece como fornecedora de nenhuma campanha desta eleição. O Metrópoles publicou uma matéria sobre o caso.
Para pesquisar todos os arquivos disponíveis relacionados a um determinado candidato, recomenda-se buscar pelo nome completo dele entre aspas. Por exemplo, “Luiz Inácio Lula da Silva”. E vale acrescentar outros termos a essa busca para chegar a um documento em específico, como “Luiz Inácio Lula da Silva” “Receitas de Financiamento Coletivo de Campanha”. Assim, encontra-se a lista com todos os doadores via financiamento coletivo da campanha do presidente eleito.
A pesquisa também pode ser feita por nomes de empresários, como “Gilson Lari Trennepohl”, sócio da fabricante de máquinas e implementos agrícolas Stara, do Rio Grande do Sul, obrigada pela Justiça a se retratar depois de emitir comunicado ameaçando demissões caso Luiz Inácio Lula da Silva vencesse as eleições. Vice-prefeito da cidade de Não-Me-Toque (RS), Trennepohl é um dos 24 maiores doadores de Jair Bolsonaro, tendo repassado R$ 350 mil à campanha do atual presidente. Desde 2017, o governo federal pagou quase R$ 6 milhões à Stara. Somente durante o governo Bolsonaro, a empresa recebeu cerca de R$ 1 milhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
No total, Trennepohl doou aproximadamente R$ 1 milhão para 11 candidatos, dos quais cinco se elegeram: o governador eleito de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), recebeu R$ 25 mil, enquanto os deputados federais Osmar Terra (MDB), Giovani Cherini (PL), Pedro Bandarra Westphalen (PP) e Ubiratan Sanderson (PL) receberam R$ 50 mil cada. Este último também recebeu R$ 35 mil de outro sócio da Stara, Fernando Stapelbroek Trennepohl. Além disso, Gilson Trennepohl doou R$ 300 mil a Onyx Lorenzoni (PL), candidato derrotado ao governo do Rio Grande do Sul.
Gilson Trennepohl é investigado pelo TSE em um processo de “abuso de poder econômico” contra o presidente Jair Bolsonaro. O empresário é acusado de ter contribuído a atos de campanha durante o desfile cívico-militar de 7.set.2022. Na ocasião, o empresário teria custeado a participação de tratores no evento. Nas eleições de 2020, ele declarou um patrimônio de R$ 163 milhões.
Já a outra coleção traz transcrições de vídeos postados, entre 1º de setembro e 10 de outubro, nos canais de Lula, Bolsonaro e dos seus partidos, Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Liberal (PL). O Pinpoint transcreve áudios automaticamente. Com um script de programação em Python, a equipe da Abraji fez os downloads dos vídeos e converteu os arquivos em MP3. Importante destacar que as transcrições automáticas não são perfeitas. Elas contêm erros e variam de acordo com a qualidade do áudio e a dicção de quem fala. Atualmente, em coleções privadas, é possível editar o texto transcrito na ferramenta do Google.
Nos documentos dos dois candidatos à presidência e das suas respectivas siglas, a pesquisa pode ser feita clicando nas etiquetas “Bolsonaro”, “Lula”, “PL” ou “PT”. Se considerada a totalidade dos arquivos, e excluindo os nomes dos dois candidatos, os nomes mais mencionados de acordo com os filtros do Pinpoint são: “Dilma Rousseff”, “Geraldo Alckmin”, “Fernando Haddad”, “Rosângela da Silva” e “Ciro Gomes”. Quando considerados os vídeos de Bolsonaro, os principais citados são Lula, o próprio Jair Bolsonaro, Dilma Rousseff, Tarcísio de Freitas e Vitor Hugo de Araújo Almeida. Entre os vídeos de Lula, as pessoas mais citadas são o próprio candidato que venceu este pleito, Jair Bolsonaro, Dilma, Alckmin e Haddad. Lula só não foi o mais citado entre os vídeos etiquetados do PL. Nestes, Bolsonaro recebeu mais menções.
Numa eleição marcada pela pauta religiosa, o Pinpoint revela que há 212 vídeos em que os candidatos e seus partidos citaram Jesus, Cristo ou Deus. As transcrições podem ser encontradas buscando por Jesus OR Deus OR “Jesus Cristo” OR Cristo. Os termos aparecem em 68 transcrições de vídeos de Lula, 18 de Bolsonaro, 34 do PL e 88 do PT. Já o termo aborto está em 24 documentos (em 13 arquivos de Bolsonaro e do PL, e o restante em transcrições de áudios de Lula e do PT).
Em relação aos programas de transferência de renda, houve mais documentos citando o Bolsa Família (105), criado pelo governo Lula, que o Auxílio Brasil (59), do governo Bolsonaro. Já a pesquisa auxílio OR “Auxílio Brasil” retorna 91 documentos. A maioria dos resultados está em vídeos do petista (14) e de seu partido (34), contra 17 menções em documentos vinculados a Bolsonaro e 24 ao PL. O “Bolsa Família” aparece em 56 gravações do PT, 26 de Lula, 12 do PL e 8 de Bolsonaro.
Já a busca por Pandemia OR COVID OR COVID-19 traz 147 transcrições de vídeos. Os termos foram mais frequentes nos materiais audiovisuais petistas que nos bolsonaristas. Há 45 menções a essas palavras em vídeos de Lula e 74 em transcrições do PT. Os termos ainda aparecem em 16 documentos relacionados a Bolsonaro e a 10 vídeos do PL. Os termos Vacina OR Vacinação também foram mais frequentes nos documentos relacionados ao PT e a Lula (47 e 32, respectivamente), contra 10 de Bolsonaro e 2 do PL. Outro tema de campanha, comunismo OR socialismo, aparecem em 64 documentos, dos quais 12 estão vinculados a Lula, 43 ao PT, 7 a Bolsonaro e 2 ao PL.
Como creditar as coleções da Abraji dentro do Pinpoint?
As informações disponibilizadas no Pinpoint pela Abraji são públicas, mas o trabalho de curadoria, seleção, diferentes tipos de download (manual, pedidos de LAI, webscraping, OSINT), descrição e pesquisa de exemplos é todo feito pela associação. Por isso, dar o crédito é importante para a manutenção do trabalho e monitoramento do impacto do que a equipe da Abraji realiza. Caso você ou a sua organização usem as informações disponibilizadas, favor indicar que a informação foi “obtida em uma coleção pública da Abraji sobre o tema, dentro do Pinpoint do Google”, de preferência com o link para a análise de referência.