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Hitler e seus comediantes na tragicomédia.

O DESPERTAR DA ALEMANHA, de José Jobim.

08/08/2022 às 21h01
Por: Fábio Costa Pinto Fonte: Jornalista Lygia Jobim
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José Jobim, correspondente da imprensa brasileira na Europa. Foto: Capa do livro - Miriam Lerner / Equatorium Design.
José Jobim, correspondente da imprensa brasileira na Europa. Foto: Capa do livro - Miriam Lerner / Equatorium Design.

HITLER E SEUS COMEDIANTES foi escrito no calor da hora por José Jobim, correspondente da imprensa brasileira na Europa. Ele esteve diversas vezes na Alemanha, entrevistou muita gente, assistiu a discursos de Hitler. Modesto, avisa logo na primeira linha: “Não pensem que encontrarão neste livro uma reportagem completa sobre a Alemanha hitlerista. Há nesse aspecto muitas falhas, que sou o primeiro a reconhecer”.

Lançado em 1934 pela Editora Cruzeiro do Sul, e com reedição no mesmo ano, o livro não voltou a ser publicado. Seu autor se tornou diplomata, foi embaixador na Argélia e no Vaticano. Segundo José Jobim, se sabia bem a natureza genocida do nazismo nos anos 30, embora os campos de concentração ainda estivessem no futuro. E escreveu que daria para deter os passos para o morticínio. O interesse de uns e a omissão de outros, contudo, fizeram com que a carnificina prosperasse.

Este livro descreve policiais estúpidos, um menino de dez anos fanático pelo nazismo, um boliviano hostilizado por ser moreno, o espancamento de um rabino. Conversa com antissemitas gritões e comunistas na clandestinidade. Um colega espanhol fala a José Jobim num comício que os nazistas odeiam repórteres: “Tem razão”, concorda o repórter brasileiro, “colocaram-nos atrás de uma grade de arame sem onde sentar”.

Hitler boceja e ele percebe que tinha um dente de ouro. Sabia que o Führer era vegetariano e Goering, viciado em morfina, fora internado. Ele tem também o que dizer sobre política. Conta que o incêndio do Reichstag foi fabricado. Registra o papel do cinema na construção da imagem do Führer. Aponta a responsabilidade dos socialdemocratas no triunfo dos assassinos. Jobim fez reportagens para serem publicadas no dia seguinte. “Infelizmente”, lamenta, “nenhum jornal brasileiro poderia, sem sérias consequências, estampá-las”. Porque “Goebbels está distribuindo dinheiro a determinados jornais e agências brasileiros”.

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Por sua conta e risco, as reuniu num livro. Comediantes mostra as bestas à luz do dia. Jobim escreveu outros livros, nos quais atacou a ditadura de Salazar e a de Stalin. Foi embaixador no Paraguai e queria escrever mais um, sobre corrupção na construção de Itaipu. Na ocasião, foi convidado para a posse de Figueiredo. Comentou ali que falaria do superfaturamento da hidrelétrica.

Era março de 1979. Dias depois, saiu com seu chapéu habitual para visitar um amigo e sumiu. Pendurado pelo pescoço numa árvore e com marcas de tortura, seu cadáver foi achado num lugar perto de onde fica hoje o condomínio Vivendas da Barra. Sua família teve certeza de que foi assassinado devido ao que escreveria sobre Stroessner e a ditadura. A polícia não apurou nada, mas sua viúva não desistiu.

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Só quatro décadas depois, em 2018, a certidão de óbito de José Jobim foi alterada. Diz agora que ele teve “morte violenta causada pelo Estado brasileiro”. De Mario Sergio Conti (trecho de artigo publicado na Folha de S. Paulo em 8.2.2020).

 

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Extraído do livro:

Um dos atentados que causaram maior escândalo foi o que vitimou o grande rabino Jonas Fraenkel, de 80 anos, morador de Berlim, na Dragonerstrasse, 37. Um bando de milicianos assaltou-o em sua casa, ferindo-o gravemente. O governo desmentiu a notícia, levando o seu zelo ao ponto de negar a existência mesma da vítima. Mas esta publicou no estrangeiro as cartas que lhe escrevera o próprio presidente Hindenburg! Sua filha, Ella Fraenkel, narra a agressão assim:

 

“Por volta das 19 horas, três agentes auxiliares das S.A. [Tropas de Choque do Partido Nazista] entraram em nosso apartamento. Dois me imobilizaram botando um revólver no meu peito. O terceiro atirou em meu pai, que se achava sentado à mesa. Duas balas o atingiram na testa. Meu pai caiu ensanguentado e sem sentidos. Um gritou: ‘Agora, esse está liquidado’. Em seguida, quebraram a mesa e roubaram todo o dinheiro – 5 mil dólares e 2 mil marcos, meu dote. Antes de sair, preveniram-me que não pedisse socorro e arrebentaram os fios de eletricidade, deixando o apartamento sem luz. Como soubemos mais tarde, os policiais faziam parte da seção de assalto da Dragonerstrasse”.

 

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SOBRE O AUTOR. 

José Jobim, nascido em Ibitinga (SP) em 2 de agosto de 1909, foi jornalista e diplomata de carreira. Na juventude filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Iniciou a carreira diplomática em 1938, com postos no Japão, Nova York e Finlândia, entre outros.  Em fevereiro de 1964, o então presidente João Goulart o designou para negociar com as autoridades paraguaias o aproveitamento hidrelétrico do rio Paraná, tema que conhecia bem por ter servido na embaixada em Assunção. Com a queda do regime pouco depoisentregou seu relatório ao general Ernesto GeiselSecretário Executivo do Conselho de Segurança Nacional Em 1966, Jobim estava presente quando os chanceleres do Brasil e do Paraguai assinaram a “Ata de Iguaçu”, que daria origem à Usina Binacional de Itaipu, cuja construção começou em 1971.

Como embaixador, serviu no Equador, Colômbia e Jamaica, Argélia, Vaticano e Malta, e seu último posto foi no Marrocos, antes de se aposentar em 1975.  No dia 15 de março de 1979, aos 69 anos, participou da cerimônia de posse do presidente João Baptista Figueiredo, em Brasília, quando comentou entre amigos que estava escrevendo suas memórias, nas quais, contaria detalhes sobre o esquema de corrupção e superfaturamento na construção da Hidrelétrica de Itaipu.  Uma semana mais tarde, em 22 de março, saiu de casa após o almoço para comprar um paletó e visitar um amigo, e não mais retornou. Dois dias depois, foi encontrado morto, enforcado e com sinais de tortura; na época, falou-se em suicídio. Na verdade, ele foi eliminado pela ditadura empresarial-militar por causa do livro que estava escrevendo. Após anos de luta da família por uma investigação isenta, em 2018 se deu o reconhecimento oficial, pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, de ter sido ele vítima da violência do Estado brasileiro. José Jobim era casado com Lygia Collor Jobim, com quem teve dois filhos: o historiador Leopoldo José Collor Jobim e a jornalista e advogada Lygia Maria Collor Jobim, que foi casada com o editor Enio Silveira.  

 

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SINOPSE

Hitler e seus comediantes na tragicomédia — O despertar da Alemanha, 158 págs. / R$ 69,90, José Jobim, ISBN: 978-65-5897-016-3.

  — Jornalista e diplomata, o autor trabalhou como repórter para vários órgãos de imprensa do Rio de Janeiro, e entre 1930 e 1936 foi enviado especial de “O Jornal” à Ásia, África e Europa. Na Alemanha, impressionou-se com a ascensão meteórica de Hitler e fez anotações importantes para uma grande reportagem, que pretendia publicar na imprensa carioca. Mas, ao voltar ao Rio com essa intenção, nenhum jornal, quis se arriscar.

Então transformou o excelente material num livro, que teve duas edições em 1934, virou raridade e só agora, quase nove décadas depois, retorna às livrarias. Nele, José Jobim fala de tudo que viu, dos discursos inflamados de Hitler e das muitas pessoas que lhe contaram histórias dramáticas, valendo-se também do “Livro Pardo” de Lord Marley (“The brown book of the Hitler terror and the burning of the Reichstag”, 1933, Ed. Knopf,  NY), “o mais completo repositório de documentos sobre o hitlerismo”, segundo ele. Sua carreira diplomática teve início em 1938, e no Itamaraty, entre outros postos, serviu no Paraguai — durante o início das negociações para a criação da Hidrelétrica de Itaipu e também durante o governo Jango, em 1964 — e como embaixador na Argélia, Vaticano e Marrocos, aposentando-se em 1975. 

 

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Em 22 de março de 1979, aos 69 anos, saiu de casa para visitar um amigo e não mais retornou. Encontrado morto dois dias depois, a polícia tratou o caso como suicídio, mas, na verdade, ele fora sequestrado e assassinado pela ditadura empresarial-militar por estar escrevendo um livro onde denunciaria um esquema de corrupção no financiamento e construção da Itaipu Binacional. Após anos de luta de sua família, em 2018 se deu o reconhecimento oficial, através da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, de que José Jobim havia sido vítima da violência do Estado brasileiro. Sua certidão de óbito foi corrigida.

 

SERVIÇO

Hitler e seus comediantes na tragicomédia — O despertar da Alemanha.

Autor: José Jobim

158 páginas / R$ 69,90

ISBN: 978-65-5897-016-3

Formato: 13,5 cm x 21,0 cm.

Capa: Miriam Lerner / Equatorium Design.

 

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