A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de permanecer no comando do país durante sua internação hospitalar vai muito além de questões de saúde. Embora tenha passado por um procedimento delicado para drenar um hematoma intracraniano, Lula optou por seguir despachando do hospital, respaldado por declarações médicas de que está consciente e nas condições de exercício de suas funções. Essa escolha, no entanto, carrega um peso político significativo, tanto para o momento atual quanto para o futuro, especialmente no que diz respeito à relação com o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Historicamente, presidentes em situações de saúde debilitadas têm posturas adotadas semelhantes. Jair Bolsonaro, durante cirurgias relacionadas à facada sofrida em 2018, não transferiu a Presidência para o vice, Hamilton Mourão. Bruno Covas, ex-prefeito de São Paulo, liderou uma cidade de um leito hospitalar enquanto enfrentava um tratamento contra o câncer. A prática, embora questionável do ponto de vista da transparência e do simbolismo institucional, não é nova no Brasil.
Porém, o contexto atual vai além do precedente. O Brasil vive um momento de intensa movimentação política, com pautas estratégicas no Congresso, como a aprovação do orçamento e os músculos para as eleições da presidência da Câmara e do Senado. Lula, hábil estrategista, sabe que qualquer sinal de fragilidade ou ausência pode desestabilizar a base governista e abrir espaço para movimentos independentes de um Parlamento que exercem enorme influência na condução do país. O presidente prefere manter as rodadas curtas, garantindo que as negociações sigam sob seu controle direto.
Mas a decisão de não transferir a carga também expõe uma leitura mais profunda sobre o papel de Alckmin no governo e, sobretudo, no futuro político de Lula e do PT. A aliança entre os dois foi essencial para garantir a vitória em 2022, mas já há sinais claros de que esse pacto está perdendo força. Nos bastidores, cresce a percepção de que Alckmin não será reservado como vice em 2026. Lula parece disposto a usar a carga de vice como peça central em uma estratégia mais alinhada aos interesses do PT e de seu projeto político pessoal, abrindo espaço para uma figura que fortaleça o núcleo petista ou que seja mais homologado com os interesses do presidente.
Ao não passar o comando a Alckmin, Lula reforça essa mensagem de forma indireta. O gesto demonstra que o presidente, mesmo em momentos de vulnerabilidade, prefere não delegar poder ao seu vice. Isso não apenas limita o protagonismo de Alckmin no cenário atual, mas também o coloca em posição de transição, sinalizando que o governo já começa a redesenhar suas estratégias para o próximo ciclo eleitoral.
Esse movimento ocorre em um cenário de alta tensão política. Além do orçamento e da sucessão no Congresso, Lula sabe que a governabilidade passa por um Parlamento que manda muito no país. A política brasileira, cada vez mais centrada em complexos articulares entre Executivo e Legislativo, exige atenção constante para evitar surpresas. Ao manter o comando, Lula envia uma mensagem clara ao Congresso: ele está presente, sem controle e atento a cada entrega, mesmo de dentro de um hospital.
O episódio deixa claro que, na política, decisões aparentemente práticas carregam significados estratégicos. A permanência de Lula no comando não é apenas um reflexo da interpretação jurídica da Constituição ou do parecer médico. É um cálculo político. Ao evitar transferir a carga para Alckmin, o presidente reafirma sua liderança e aponta para o futuro, deixando claro que o jogo de 2026 já começou – e que Alckmin, ao que tudo indica, terá outro papel nesse tabuleiro.
Por: Elias Tavares - Cientista Político