“Quanto mais a sociedade compreender a importância de manifestar, ainda em vida, o desejo de doar órgãos no momento da morte encefálica, mais chances se abrem para que milhares de pacientes que aguardam por um transplante possam ter uma segunda chance de viver”. O apelo foi unânime entre os profissionais presentes em uma das últimas mesas-redondas do I Congresso Amazônico de Oncologia do Hospital Ophir Loyola (HOL), realizado neste sábado, 16, no Hangar. Durante o debate “Cihdott: 24 anos de transplante”, foram discutidos temas como o papel da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (Cihdott), os avanços no transplante renal e a comemoração dos 24 anos do transplante renal no Pará.
O cirurgião e coordenador da comissão do hospital, que atualmente é composta por cinco profissionais de diferentes áreas, Jair Graim, explica os procedimentos para quem deseja ser doador de órgãos. “A única coisa que a pessoa precisa fazer é comunicar claramente aos seus familiares, até o terceiro grau, o desejo de doar seus órgãos caso venha a falecer.”
A princípio, trata-se de uma atitude simples, que poderia trazer esperança aos pacientes que se encontram na fila de espera por um órgão. No entanto, a realidade é mais complexa. “Embora muitas vezes a família respeite a decisão e nos procure antecipadamente para comunicar o desejo do ente querido, também há momentos em que, devido ao impacto emocional, a família acaba se recusando a autorizar a doação”, explica o coordenador.
O trabalho diário da equipe multiprofissional é focado na busca ativa, com o objetivo de identificar potenciais doadores dentro do hospital. "Não podemos ultrapassar os limites da nossa instituição, mas agora estamos realizando campanhas de conscientização fora dos muros do hospital, e a receptividade tem sido muito positiva, especialmente nas faculdades. Os estudantes, em geral, têm o poder de levar essas informações para seus familiares", comenta o coordenador, demonstrando otimismo.
O transplante –“O transplante não é tão simples, nem tão rápido. No entanto, de todas as etapas, a cirurgia é mais rápida: levamos de duas a três horas. O pré-transplante e pós-transplante são etapas muito mais demoradas e dependem de uma equipe multidisciplinar”, pontua o urologista Frederico Andrade.
Diante de um público atento, o médico destaca que o transplante renal é a principal indicação para pacientes em diálise – uma técnica que substitui as funções renais em pessoas incapazes de eliminar resíduos e excesso de líquidos do corpo. O objetivo do transplante, afirma Andrade, é proporcionar maior independência ao paciente, embora não totalmente.
O cenário atual ainda está longe de ser o ideal, resume Frederico Andrade: "O número de transplantes realizados é muito inferior à demanda, com uma grande disparidade em relação ao número de pacientes na fila de espera. Embora o número de transplantes tenha aumentado, ainda não é proporcional ao crescimento da fila", afirma o especialista. Para ilustrar a situação, ele fornece dados concretos: "No ano passado, foram realizados pouco mais de 6 mil transplantes renais no Brasil, enquanto mais de 33 mil pacientes aguardam na fila, sendo 1% deles crianças", compara.
Atualmente, complementa o especialista, o hospital da Santa Casa realiza transplantes em crianças com peso superior a 15 quilos e com até 18 quilos. Já o Hospital Ophir Loyola, realiza transplantes em pessoas com mais de 18 kg e com até 70 kg.
Frederico Andrade ressalta, no entanto, que todo esse processo depende da disponibilidade de órgãos doados, e os índices de doação no Brasil precisam melhorar. "Esperamos alcançar os níveis de Santa Catarina e Paraná, que são os estados com os maiores índices de doação no Brasil. Estamos na outra ponta do Brasil", lamenta o médico.
“No Hospital Ophir Loyola, realizamos o primeiro transplante renal com doador vivo, e atualmente já alcançamos a marca de 777 transplantes realizados. Também fomos pioneiros ao realizar o primeiro transplante com doador falecido, algo inédito na região Norte até então. Esse feito ocorreu em dezembro de 2000”, relata a cirurgiã.
Alem disso, ela também explica que, historicamente, a média anual de transplantes é de 35, mas houve anos de maior destaque. “Chegamos a realizar 54 transplantes em um único ano e, na época, acreditei que poderíamos alcançar 100. No entanto, há uma variação significativa de ano para ano. Por exemplo, durante a pandemia de covid-19, a quantidade caiu drasticamente, com apenas 9 transplantes realizados, uma realidade que se repetiu em todo o país”, lembra Silvia Cruz.
Silvia Cruz observa que, à medida que aumenta o número de doadores falecidos, o número de doadores vivos tende a diminuir, o que é considerado um fenômeno normal. "No Brasil, a média de doadores vivos é de apenas 3,8%. Em geral, há uma preferência pelo doador falecido", explica. Ela acrescenta que, entre os doadores vivos, a maioria são familiares, com destaque para os irmãos, seguidos pelas mães e pais.
Ela destaca que o tempo de espera na fila de transplante também está diretamente relacionado ao tipo sanguíneo. "Pacientes do tipo 'O' geralmente esperam bem menos, cerca de 27 meses, para receber um órgão. Já os pacientes do tipo 'AB' têm um tempo de espera significativamente maior, em torno de 50 meses", explica.
Silvia Cruz também apresenta dados da Secretaria de Saúde do Pará (Sespa), que mostram um aumento anual no número de pacientes em diálise, que atualmente totalizam cerca de 3.670. Desses, estima-se que 40% irão precisar de um transplante renal.