Em Santa Catarina, jovens do campo e do mar estão construindo suas carreiras nas propriedades onde vivem (Fotos: Aires Mariga)
Sair do meio rural, deixar a casa dos pais e construir a vida na cidade. Embora essa ainda seja a ideia de muitos filhos de agricultores familiares, aos poucos esse “sonho” tem dado lugar à decisão de ficar, profissionalizar a atividade, adotar tecnologias sustentáveis e ter mais qualidade de vida. Esse movimento, que tem a forte participação da Epagri, ganha ainda mais potência com o Curso para Jovens Rurais. O resultado já vai além de manter os jovens no campo: tem mostrado que eles podem assumir cargos de liderança e se tornar protagonistas no novo cenário que se desenha no agro.
A Epagri trabalha com jovens catarinenses ao longo de toda a sua história para mostrar que é possível construir um futuro de sucesso sem sair da propriedade rural ou pesqueira. Desde 2012, a Empresa oferece uma capacitação específica para esse público: em 13 Centros de Treinamento distribuídos pelo Estado, todos os anos, centenas de jovens entre 18 e 29 anos são preparados para a sucessão familiar no setor agrícola.
A Ação Jovem Rural e do Mar é um processo de educação não formal em que o participante alterna períodos de capacitações na Epagri e períodos na propriedade. Em casa, ele recebe apoio dos extensionistas para aplicar o que aprendeu. As capacitações oferecem conhecimento técnico em diversas cadeias produtivas, como pecuária leiteira, fruticultura, olericultura, cultivo de grãos, apicultura e piscicultura, por exemplo, sempre com foco na sustentabilidade. Os participantes também têm aulas sobre organização, gestão, protagonismo, liderança e empreendedorismo. De 2012 a 2023, 2.979 jovens catarinenses já viveram essa experiência.
Depois de formados, os alunos podem acessar linhas de crédito da Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária para colocar em prática os Projetos de Vida que elaboraram durante o curso.
Esses projetos permitem melhorar alguma atividade da propriedade ou inserir outras que possam gerar renda para a família. O resultado desse esforço já se reflete na redução do êxodo rural. Um levantamento da Epagri realizado em 2018 com egressos do curso apontou que 93% deles permaneciam na propriedade, conduzindo as atividades com suas famílias.
Mas os jovens que decidem ficar estão fazendo muito mais: hoje, quase uma centena de agricultores e pescadores que passaram pelo curso ocupam cargos de liderança em suas comunidades, em cooperativas, associações, sindicatos, Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural (CMDRs) e outras instituições. Alguns se tornaram vereadores ou secretários municipais, levando a defesa da agricultura familiar a esferas ainda maiores.
Igor da Silva, da comunidade de Terra Nova, em Tijucas, é um “agricultor por paixão”, como faz questão de frisar, e faz parte da nova geração de lideranças que vem se destacando no agro catarinense. Caçula em uma família de cinco irmãos, Igor tem na agricultura suas lembranças mais remotas da infância. “Nossa propriedade sempre foi bastante diversificada e com características fortes da agricultura familiar”, lembra. Mas, com o passar dos anos, a propriedade foi ficando pequena em termos de área e de renda para a família. O pai tentou financiamento para comprar terras, mas não teve sucesso. Logo, os filhos começaram a sair para trabalhar na cidade.
“O último a sair fui eu. Trabalhei por três anos no supermercado e foi o tempo necessário para me dar conta da riqueza que eu estava perdendo, desde qualidade de vida até a questão financeira”, conta.
Com apoio do pai, Igor voltou para a propriedade. “Nunca me esqueço das palavras simples e sábias dele: ‘Pode vir, meu filho. Aqui se ganha pouco, mas se vive bem’. Foi então que pedi demissão vim trabalhar na roça. Muitos me chamaram de louco”.
O primeiro ano foi difícil na agricultura, e o retorno financeiro demorou a vir. Em 2019, Igor participou do curso para jovens rurais oferecido pela Epagri. “Foi muito rico e marcante para mim, pois aprendi bastante trocando experiências com jovens de diferentes municípios, e também sobre o respeito ao solo e ao meio ambiente, com o Sistema de Plantio Direto de Hortaliças”.
O curso foi o ponto de partida para uma série de transformações. Na propriedade, Igor e o pai passaram a adotar práticas de conservação do solo e tornar a produção de alimentos cada vez mais sustentável. “Passei a ver o meio rural com outros olhos. Também assumi meu primeiro cargo de liderança”, conta. Hoje, além de trabalhar nas lavouras de milho e abóbora e em outras atividades da propriedade, Igor é vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tijucas, Porto Belo, Bombinhas e Itapema.
“Meu maior objetivo é defender, representar e lutar pela agricultura familiar e também produzir da forma mais limpa possível, sempre preservando a água, o solo, a lavoura, as matas e os animais em geral”, reforça o agricultor.
Para Igor, ter jovens se tornando líderes no meio rural é importante porque estimula a permanência de outros filhos de agricultores na atividade. “Tem bastante oferta de emprego na cidade e o jovem rural às vezes não vê que tem um baita negócio nas mãos. Mas, para ficar, ele precisa ter condições de fazer a propriedade produzir e garantir uma boa renda”, defende.
O sindicato onde Igor atua é presidido por outro ex-aluno do curso da Epagri. Vinícius Martinenghi é um agricultor de 32 anos que também já tentou a vida na cidade e voltou para o campo. Além desse sindicato, Vinícius participa de mais três entidades: é presidente da Associação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais da Grande Florianópolis Norte, membro do Conselho Fiscal da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina (Fetaesc) e presidente da Associação de Abastecimento de Água da Comunidade de Terra Nova, Campo Novo e Oliveira, em Tijucas.
Vinícius fez o curso da Epagri em 2018 e leva consigo um grande aprendizado: a capacidade de ver a propriedade rural como um negócio e desenvolver projetos para que ela se torne produtiva e rentável. “Durante o curso, precisamos descobrir as aptidões da propriedade e de quem trabalha nela, sem esquecer de olhar para o mercado. O fato de saber montar e pensar esse projeto foi o grande aprendizado. Agora, se precisar, eu sei fazer outros”, resume.
O jovem, que já se formou técnico em eletromecânica e trabalhou com metalurgia durante um ano na cidade, hoje também é técnico agrícola e defende que não se pode parar de aprender. “A propriedade rural, pequena ou grande, não tem espaço para amadorismo. As tecnologias avançam rapidamente e o agricultor precisa estar sempre se atualizando e reinventando para aprimorar o trabalho”, defende.
Em Tijucas e outros municípios da região, Vinícius trabalha para fortalecer a agricultura familiar e estimular a adoção de práticas sustentáveis no campo, com respeito ao meio ambiente. “Falamos muito sobre a conservação do solo, que aprendemos com a Epagri”, diz. Ele também acredita que a sucessão familiar é a chave para garantir o futuro da atividade. “A agricultura familiar nunca vai ser substituída. Essa formação que vem de dentro de casa é necessária. É preciso trabalhar cada vez mais os jovens para fazer a sucessão na propriedade, mas não podemos esquecer de preparar os pais”, defende.
Conheça essas e outras ações da Epagri no Balanço Social 2023 .
Por Cinthia Andruchak Freitas – jornalista da Epagri.