Este artigo tem por objetivo apresentar o processo que contribuiu para a ascensão e a ameaça de queda do chavismo na Venezuela. Em vários países da América Latina, a cobrança para uma mudança de rumo tem sido cada vez mais forte ao longo da história. O empobrecimento do continente tem alcançado níveis inaceitáveis. A concentração da riqueza e a exclusão social colocaram as desigualdades em patamares jamais vividos anteriormente. O dilema dos governos latino-americanos tem sido o de cumprir seus compromissos com o povo ou se colocar no campo adversário, isto é, do lado que quem oprime, explora e quer manter tudo como está. Ao contrário da maioria dos países da América Latina que se dobraram aos ditames do capital internacional, a Venezuela assumiu um papel diametralmente oposto com a ascensão ao poder de Hugo Chávez.
Na América Latina, as guerras e revoluções de independência estão na origem das nações latino-americanas, estabelecendo alguns dos seus traços principais. O que há de épico nas lutas simbolizadas por Simón Bolívar, José Artigas, José Morelos, Miguel Hidalgo, Bartolomé Mitre, Bernardo O'Higgins, Antonio Sucre, José Bonifácio, Frei Caneca, Ramón Betances, José Martí, Tiradentes e muitos outros, está enraizado na façanha destinada a emancipar a colônia da dominação da Espanha e de Portugal, criar o Estado nacional, organizar a Nação e libertá-la do colonialismo, do absolutismo, do mercantilismo, da acumulação originária do capital. A defesa dos interesses da Venezuela e da América Latina sempre esteve no centro das preocupações de Hugo Chávez.
A questão nacional está, portanto, na base de algumas lutas fundamentais dos países da América Latina. Em diferentes épocas, principalmente em conjunturas críticas mais profundas como a atual, reabre-se a problemática nacional. Este é o cenário que levou ao surgimento de Hugo Chávez como mentor da Revolução Bolivariana, termo por ele criado para designar as mudanças políticas, econômicas e sociais iniciadas a partir de seu acesso ao poder na Venezuela. A Revolução Bolivariana se baseou, segundo Chávez, no ideário do libertador Simon Bolívar e teve como principal objetivo a emancipação da América Latina. Sua estratégia na Venezuela consistiu em ampliar sua influência junto às camadas populares de sua população e contar com o decisivo apoio das Forças Armadas para dar-lhe sustentação.
As sucessivas vitórias de Chávez nas eleições na Venezuela confirmaram seu mandato com forte apoio popular, indicando que o caminho escolhido por ele naquele país conseguiu não apenas a mobilização e a organização da população mais pobre, mas, também, a construção de uma agenda afirmativa na defesa da soberania nacional e de confronto com o imperialismo, sobretudo o norte-americano. Desde sua eleição em 1998, Hugo Chávez ganhou notoriedade no espaço político latino-americano. Alguns o viam erroneamente como um governante de vanguarda, representando o que há de mais avançado no pensamento de esquerda da América Latina, e outros o entendiam como mais um movimento autoritário levado adiante por um caudilho, que se manifesta na era contemporânea com o regime autoritário de Nicolás Maduro.
Desde 1998, Chávez venceu diversos pleitos eleitorais, passou por uma tentativa de golpe militar em 2002, demarcou e priorizou sua base eleitoral com diversos programas sociais, conhecidos como “missões”, controlou politicamente o país realizando, inclusive, mudanças na Constituição do país (fato que se deve, em parte, à sua capacidade política, mas também à incapacidade da oposição em se organizar após as derrotas nas urnas) e com a prerrogativa de estar buscando os objetivos da inclusão social e da democracia participativa e chegou a sustentar altíssimos níveis de popularidade, principalmente entre os anos de 2004 e 2007.
As duas grandes marcas do governo Chávez dizem respeito ao propósito de realizar a Revolução Bolivariana e implantar o Socialismo do Século XXI. Esse socialismo proposto por Chávez em 2005 no Fórum Mundial em Porto Alegre seria nutrido pelas correntes mais autênticas do cristianismo, pelo marxismo e pelas ideias de Bolívar. Entretanto, o discurso proposto pelo socialismo do século XXI e sua aplicação prática passaram a se defrontar com uma série de problemas estruturais que o governo de Hugo Chávez não conseguiu resolver como, por exemplo, promover a expansão dos setores produtivos da Venezuela e a excessiva dependência do país da importação de inúmeros produtos, inclusive de alimentos.
Hugo Chávez, eleito pela primeira vez em 1998, ganhou quatro mandatos presidenciais sucessivos pela via eleitoral. Nos primeiros anos da presidência de Chávez, ele introduziu reformas de bem-estar social que resultaram na melhoria das condições sociais das camadas inferiores da sociedade. Implantou sistemas gratuitos de saúde e de educação, até o nível universitário, financiados pelo governo. Cerca de 1 milhão a mais de crianças foram matriculadas na escola primária desde que o líder bolivariano chegou ao poder. Em 2003 e 2004, Chávez lançou campanhas sociais e econômicas convertidas em aulas gratuitas de leitura, escrita e aritmética para os mais de 1,5 milhão de analfabetos adultos venezuelanos. Este conjunto de medidas trouxe, segundo levantamentos realizados, resultados extremamente positivos como o crescimento em 150% da renda familiar dos mais pobres, entre 2003 e 2006, e a redução da taxa de mortalidade infantil, em 18%, entre 1998 e 2006.
Após a morte de Hugo Chávez e a ascensão ao poder de Nicolás Maduro, a Venezuela tem sido palco de turbulências econômicas e violentos confrontos entre chavistas e antichavistas que tem como causas principais o fato de, em 10 anos, a economia da Venezuela recuar 62%, segundo estudo do World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional (FMI), e do Banco Mundial. Em 2013, um de cada três venezuelanos estavam na pobreza (33,1%), enquanto em 2021 nove de cada dez pessoas da Venezuela se encontravam nesta situação (90,8%). No mesmo período, a extrema pobreza evoluiu de 11,4% para 68%. A hiperinflação, a escassez de moeda forte (que gera especulação com o dólar) e o desabastecimento de alguns produtos básicos atingem fortemente toda a população. Sem crédito e sem divisas, a Venezuela passou a depender cada vez mais das vendas do petróleo, como única fonte de ingresso de capitais. Tudo isto contribuiu para desgastar o chavismo na Venezuela.
Um fato indiscutível é que a Venezuela é um país dividido e polarizado ao extremo entre chavistas e antichavistas cuja radicalização atingiu as culminâncias nas recentes eleições presidenciais cujo resultado oficial favorável à reeleição de Maduro é considerado pelas forças de oposição como produto de fraude. As forças de oposição afirmam dispor de 84% das atas que demonstram a vitória do candidato de oposição González Urrutia. Para evitar sua destituição do poder, Nicolás Maduro prende opositores ao chavismo, reprime com violência as manifestações das forças de oposição e utiliza as milícias bolivarianas para com o uso da violência atacar seus opositores. O projeto do socialismo do século XXI da Venezuela fracassou e se transformou em um regime ditatorial sob a direção de Nicolás Maduro.
O regime ditatorial, que prevalece na Venezuela, é um regime político autoritário, antidemocrático, que, sob o pretexto de defender os interesses nacionais e das classes menos favorecidas usa o poder ditatorialmente por um partido ou através de uma camarilha que se sobrepõem ao direito e à moral. O regime ditatorial venezuelano sob a direção de Nicolás Maduro exerce a coerção pela força por atores sociais muito poderosos, que, escapando a todo controle democrático, impõe sua vontade à sociedade. Tudo leva a crer que a Venezuela caminha celeremente para a eclosão de uma guerra civil e a implantação de uma ditadura pela facção que vencer este conflito para manter a ordem no país. Muito dificilmente, os conflitos políticos e sociais que ocorrem na Venezuela levarão à pacificação na sociedade devido à dificuldade de se estabelecer um pacto social que exigiria o consenso na Sociedade Civil de difícil construção.
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